Caná: vida com sabor de amizade, festa e vinho

Data:
19/01/2025

“Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” (Jo 2,10)

Talvez porque Israel e Jesus eram mediterrâneos, viram no vinho o sinal de abundância e alegria. Isto está muito presente na Bíblia e na cultura popular.

O vinho é um tema muito usado por Jesus, para falar da nova situação do Reino: vinho novo, odres novos.

A vida de Jesus transcorrerá entre refeições e encontros, banquetes e bodas, multiplicação de pães, etc. Não é muito complicado entender que o cristianismo é alimento, vida e festa em todos os sentidos da palavra.

Jesus oferece a verdadeira salvação, mas esta não vai depender de nenhuma lei (talhas). A água se converterá em vinho fora delas.

“Celebrai a vida com vinho!”, nos diz Jesus, que é o amor que se expande, que contagia.

É antes de tudo o vinho dos “noivos”, daqueles que se uniram para celebrar a festa de sua vida, para beber juntos da mesma taça o vinho do amor que cresce sempre mais. É a festa de todos os convidados, entre eles Maria e os discípulos, que devem transformar o mundo à base de bom vinho. Quando há abundância de vinho e aprende-se a beber em comunhão de prazer, a vida se transforma.

Este é o motivo central da festa de Jesus que nos faz celebrantes da vida, animadores dessa festa, que é de todos, homens e mulheres, convidados ao banquete das bodas, sem que ninguém fique excluído, sem que ninguém o monopolize. Este é o tempo de passar do vinho ruim ao bom vinho de festa, de amor generoso, de bodas de vinho para todos, superando as velhas leis e purificações, para nos colocar a serviço da vida.

Com toda certeza, a festa de casamento era e é um dos momentos mais felizes e importantes na vida dos noivos; a boda é encontro, amor, alegria, festa, esperança, amizade… Talvez por isso a boda era imagem dos tempos messiânicos. O banquete de bodas foi um sinal muito utilizado por Jesus: o Reino de Deus é como um banquete de bodas ao qual somos todos convidados. Nosso Deus é “festeiro” e que organiza ricas refeições.

Esse é o sentido do “evangelho das bodas” onde está presente a alegria de um homem e uma mulher que se vinculam em amor e querem que esse amor se expanda e que chegue a todos, expresso no vinho de festa e na plenitude prazerosa. O judaísmo era religião de purificações e jejuns; por isso, precisava de muita água para as abluções. Pois bem, contra isso, o evangelho começa sendo experiência messiânica de festa. No meio dela, como animadora e guia, como irmã e amiga, encontramos a Mãe de Jesus. Não a busquemos nas penitências e mortificações, mas nas alegrias da vida. Só assim, quando saboreamos com ela do vinho de Jesus, poderemos dedicar nosso trabalho e alegria a serviço daqueles que estão excluídos e não tem acesso ao vinho saboroso.

Muitas vezes, na própria comunidade cristã tem-se impedido que haja vinho para todos: uns desperdiçam, outros só oferecem “vinagre” (ritos estéreis, mortificações, penitências…), outros retém para si o melhor vinho e não o oferecem aos outros…

Às vezes temos a sensação de que a Igreja atual se encontra na mesma situação dos noivos e dos convidados à festa: “eles não têm mais vinho”. Anuncia-se com trombetas a festa, mas não se consegue oferecer nada: só aparência de bodas, uma festa vazia, carregada de ritos que alimentam culpas, inclusive com músicos pagos, ornamentações luxuosas…, mas falta o melhor: o vinho.

Sem o vinho, nem os noivos podem pronunciar sua palavra de amor, nem os amigos podem compartilhar e celebrar com eles, conforme o ritual judaico. Esta é a situação: em muitas comunidades cristãs predomina um funeral de críticas, lamentações e abandono. E muitos vão embora da festa, pois falta o vinho.

“Enchei as talhas de água”, ordenou Jesus, pois estavam vazias. “Estavam seis talhas de pedras colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer”. Em plano externo, eram necessárias para que os judeus pudessem cultivar sua pureza ritual, mas eram incapazes de oferecer às pessoas a vida e o prazer do Reino.

Em Caná, Jesus se valerá da estrutura religiosa para propor o projeto do Reino, centrado no amor e na amizade entre seus integrantes. O “melhor vinho”, símbolo da qualidade dessas relações, revela-se essencial e não pode faltar na festa existencial que Ele propõe (bodas). Com seu gesto, Jesus declara caduco a antiga ordem centrada na Lei; deslocando-a para uma melhor pauta de vida: alegria, festa, amizade…

Com sua presença numa festa de casamento, Jesus funda uma “nova comunidade”, marcada pela alegria, pela festa e pela abundância do melhor vinho.

É o momento da boda, da vida, do amor, do encontro… Somente esta passagem da água real ao vinho realíssimo da festa, da nova consciência, do prazer partilhado, expressa a novidade de Jesus.

Muitas vezes, corremos o risco de bloquear o projeto de Jesus e fechá-lo em grandes cântaros de água. Pois bem, é a hora de um novo tempo, de abrir as talhas e enchê-las de água nova, para que Jesus nos ajude a transformar a água em vinho da festa sem fim.

Festejar é afirmar a bondade e o sabor da vida.

Sem festa não conseguiremos nos ajustar bem à existência e à convivência; falta-nos a leveza existencial da liberdade e do sentido da vida. Na festa, a comunidade que celebra encontra legitimação para sua atuação, recriando a espiritualidade da vida, aprofundando-a a nível emotivo-afetivo, reavivando a esperança que anima, antecipando a utopia que a une.

O ápice da festa é gratuito. Justamente por isso a festa tem algo a ver com o mistério da vida.

Por sua gratuidade, a festa faz descobrir a gratuidade da vida humana, a gratuidade da ação histórica.

Os evangelhos apresentam Jesus concentrado, não na religião, mas na vida. Viver o “estilo de vida” de Jesus não é só para pessoas religiosas e piedosas. É também para quem ficou decepcionado com a religião, mas sente necessidade de viver de forma mais digna e ditosa. Por quê? Porque Jesus contagia a fé num Deus festeiro, que não complica nossa vida, mas nos move a confiar n’Ele, que com Ele podemos viver com alegria pois Ele nos atrai para uma vida mais generosa, movida por um amor solidário.

A espiritualidade de Jesus não é a espiritualidade do sacrifício, do pecado e da culpa, da busca da perfeição, mas é a espiritualidade da felicidade e da alegria para as pessoas. Com sua presença, participando das bodas, das refeições festivas e dos banquetes, Jesus anunciava e indicava um outro mundo diferente, onde partilha-se a vida, a convivência, a alegria, abrindo espaço à participação de todos, sobretudo daqueles que eram excluídos da religião. É a alegria contagiante do Evangelho.

Para Jesus, Deus se manifesta em todos os acontecimentos que nos impulsionam a viver mais plenamente. Deus não quer que renuncie-mos nada do que é verdadeiramente humano. Ele quer que vivamos o divino no que é cotidiano e normal. A ideia do sofrimento e da renúncia como exigência divina é anti-evangélica.

Texto bíblico: Jo 2,1-11

Na oração: deixe-se mobilizar pelo Espírito: Ele suscita, em você e na realidade, ricas possibilidades que equivalem a um saboroso vinho da melhor qualidade

Não seja nunca uma “talha de pedra” que sufoca a Vida. Mereça a Vida que Deus lhe dá! Que em você, a vida saboreada seja expressão de sua filial sintonia com o Senhor.

Faça-se disponível perante Ele; seja um bom recipiente do melhor vinho da Graça!

Compartilhar

LEIA MAIS

26 jul 2025

50 Anos do Congresso Fabra no Mosteiro de Itaici

27 jul 2025

Ser aprendiz na escola de oração de Jesus

20 jul 2025

O ativismo que nos seca por dentro

13 jul 2025

O samaritano que nos habita

06 jul 2025

Itinerância comprometida com a vida e a paz

29 jun 2025

São Pedro e São Paulo: Duas Revelações, Dois Personagens Originais

22 jun 2025

Retornar a Jesus

15 jun 2025

Trindade: Pai, Palavra e Vento

08 jun 2025

Somos argila, mas portadores do “Sopro vital”

01 jun 2025

Ascensão: expandir a visão

25 maio 2025

Criados para serem habitados

18 maio 2025

Amar servindo, servir amando

11 maio 2025

Escutar é um ato de amor

04 maio 2025

Ressurreição: das cinzas às brasas na praia do mar de Tiberíades

27 abr 2025

“Tocar” o Verbo de Deus, “tocar” os crucificados