Gratidão: a mais agradável das virtudes

Data:

“Não houve quem voltasse para dar
glória a Deus, a não ser este estrangeiro?
(Lc 17,18)

 


Lucas
descreve, ao longo de seu livro, o acontecimento salvífico de Jesus como uma
“viagem”. Mais uma vez, o evangelho deste domingo nos recorda que Jesus está a
caminho de Jerusalém, onde os conflitos com as autoridades religiosas atingirão
o ponto máximo, culminando na sua morte e na entrega total. Nessa subida, a
salvação vai se fazendo presente, não só no final do caminho. Muitos dos
oprimidos e excluídos, que estavam à beira do caminho, foram reconstruídos em
sua dignidade pela presença itinerante de Jesus.

No seu deslocamento contínuo, Jesus
está sempre com os seus sentidos abertos, atento a tudo e todos. Não é alguém
distraído, centrado em si mesmo e incapaz de ver e ouvir aqueles que cruzam o
seu caminho. Seus sentidos transbordam compaixão.

Nesse caminho, dez leprosos saem ao seu
encontro. Assim como exigia sua condição de enfermos contagiosos (inabilitados
para a convivência social), param ao longe e se comunicam através dos gritos:

“Jesus, Mestre, tem
compaixão de nós!”.

Enfermidade é a lepra, mas maior
enfermidade é a falta de fé (de enraizamento e confiança na vida, de escuta e
de ajuda mútua); não cremos em Deus, não cremos unos nos outros, e assim
vivemos em conflito permanente, em um mundo de leprosos, submetidos a um
sistema que violenta e exclui.

É urgente superar a “lepra” de uma vida
marcada por imposições e medos, optar pelo caminho de Jesus, que é a fé que
salva; precisamos passar por uma profunda limpeza de pele em nosso interior,
para eliminar todo vestígio das lepras da intolerância, do preconceito, da
indiferença, que rompem toda possibilidade de viver encontros humanizadores.

Jesus escuta
os gritos e olha aqueles leprosos. Todos temos experiência que, dirigir
nosso olhar para alguém – um olhar carregado de respeito e ternura – é um dos
meios que mais o reabilita, quando este está enfermo. Muito mais ainda, quando
se trata de alguém que sofre exclusão e experimenta continuamente como as
pessoas desviam dele seu olhar. 
Olhar cara a
cara, centrar em alguém nossos olhos e deixar-nos olhar por ele, nos compromete
e nos impede passar ao largo.

Ao vê-los, Jesus coloca os leprosos
como protagonistas, no centro de atenção de todos. Eles lhe gritaram
suplicando-lhe compaixão e isso é o que receberam já d’Ele: um olhar compadecido e atento, que percebe
as necessidades deles, antes mesmo de serem explicitadas.

Estranhamos o método terapêutico que
Jesus emprega aqui. Ele olha para eles e diz: “Ide apresentar-vos aos
sacerdotes”.
Evidentemente, Jesus não vê apenas o exterior dos doentes; seu
olhar expressa que Ele os acolhe e assim lhes transmite dignidade e ativa neles
a autonomia; ao olhá-los, diz que devem apresentar-se aos sacerdotes. Nessa
palavra, apesar de sóbria, os doentes encontram a esperança de que os
sacerdotes os proclamarão puros, e de que assim poderão voltar à comunhão
humana e religiosa.

Neste ponto,
o relato já poderia ser dado por concluído. Se este continua é porque o mais
importante vai ser descrito a seguir. Dos dez leprosos, um deles, vendo-se
curado, não chega a apresentar-se aos sacerdotes, mas dá meia volta em seu
caminho para prostrar-se por terra aos pés de Jesus e manifestar-lhe uma
profunda gratidão, ao mesmo tempo
que louva a Deus. Com este gesto reconhece Jesus não só como seu “mestre”, mas
como um sanador e Salvador.

A
sua admiração por ter sido curado se torna caminho de retorno e hino de
gratidão.
Este leproso samaritano está disposto a começar de novo, do
zero, e Jesus com ele, iniciando um caminho arriscado de fé salvadora. Ele
regressará à sua casa com a certeza de que a cura manifestada em sua pele
atravessou, na realidade, todo seu ser. As palavras de Jesus
“levanta-te
e vai! Tua fé te salvou”,
serão o motor para empreender o caminho mais uma vez, e o
profundo agradecimento experimentado o fará viver de um modo novo.

O destaque do
agradecimento deste samaritano se
converte para nós hoje um convite a sermos agradecidos. Quem se sente
agradecido para com alguém, mantém uma relação próxima com essa pessoa, está
atenta a ela, escuta-a e deseja demonstrar-lhe sua gratidão.

Viver como
agradecidos é reconhecer que tudo é dom, que nada nos é devido, que tudo parte
de um Deus Misericórdia, cuja grandeza e bondade são insondáveis. Intuir isto,
é reconhecer que só podemos viver diante d’Ele dando-lhe graças. E isso gera um
modo novo de nos situar não só diante de Deus, mas também diante dos outros e
de nós mesmos.

Na experiência bíblica, a gratidão nasce com
naturalidade e espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de
que aquilo que recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade.

A gratidão é a virtude humana por
excelência. Por um pouco que a deixemos aflorar, a gratidão irá abrindo
caminho, pacificando nosso coração e fazendo emergir, ao mesmo tempo, o melhor
que há em nós.

A gratidão é
um sentimento profundamente terapêutico: ela nos afasta dos obscuros pensamentos
e nos situa na terra firme da presença, em sintonia com o presente.

Para que isto
seja possível a gratidão deve ser um estado duradouro da personalidade. Um modo
de ser que desperta a pessoa para ativa uma consciência assombrada de ter
recebido um dom não buscado de alguém que não espera nada em troca, um dom que
provoca um estado emotivo que a livra de ressentimentos, e que a leva a reagir,
por sua vez, de modo positivo e altruísta com os demais.

Por isso, há
um tom de assombro na atitude agradecida: Não só “por quê a mim?”, mas, sobretudo, “como é possível esta generosidade?”.

Começamos agradecendo a alguém por
algo, e isto está bem. Mas, uma vez emergida ou sentida, se permanecemos em
conexão consciente com ela, a gratidão
revelará aquilo realmente somos: outro nome ou dimensão de nossa verdadeira
identidade.

Comprovaremos então que a gratidão não
é só algo que fazemos ou sentimos, senão que é exatamente o que somos: seres
vulneráveis e dependentes que, em sua verdadeira identidade, somos gratidão.

Dirigida para aqueles que nos acolhem e
nos cuidam, a gratidão fará com que se renove nosso olhar para eles, para
vê-los em sua verdadeira beleza e, mais além, reconhecê-los naquela mesma e
única identidade que compartilhamos. Atendida em si mesma, a gratidão nos
mostra que estamos em “casa”.

A gratidão é
atitude fundamental para a integridade pessoal; muitos relacionam a gratidão
com a maturida-de humana e com a melhoria relações interpessoais, ou ainda com
a felicidade. Constata-se que as pessoas agradecidas mostram uma tendência
notável a apreciar as pequenas satisfações e prazeres que costumam estar ao
alcance de todos, e que muitos não percebem.

A pessoa
capaz de agradecimento aparece, de modo constante, como mais extrovertida, mais
aberta, mais responsável e amável. E, como facilmente podia prever-se, menos
neurótica.

Uma pessoa ingrata é uma pessoa doente,
incapaz de reconhecer-se cercada de tantos dons e cuidados.

Por isso, para S. Inácio, o agradecimento é a
experiência humana que mais pura e decididamente mobiliza a generosidade da
pessoa. Em outro contexto, o mesmo S. Inácio afirma que a ingratidão é o maior de
todos os pecados. De fato, ela envenena as relações, petrificando nossa
interioridade e levando-nos a um processo de desumanização.

Texto bíblico:  Lc 17,11-19

Na oração:

Todos vivemos o milagre diário da vida, mas só alguns sabem
agradecer. Nossa vida inteira deve navegar em um mar de ação de graças.

A memória agradecida é o húmus
natural de onde brota a gratidão.
a generosidade gratuita do coração de Deus é capaz de reconfigurar mentes e
encorajar atitudes ablativas em nós.

– Faça memória de tantos dons e bens recebidos, e deixe brotar
naturalmente do seu interior, o desejo uma resposta generosa e radical ao Deus
que é Fonte de tudo.

Pe. Adroaldo Palaoro, sj

Foto: https://bit.ly/31VBiWa 

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