Deus é “semente fecunda” em nosso interior

Data:

“O semeador saiu para semear” (Mt 13,3)

 

O ser humano é
surpreendente, inesperado, imprevisível… é pulsação original, é interpelação
inquietante; é existência peregrina, é identidade dinâmica…; é uma mina de
significados e riquezas.

Com inesgotável potencialidade, ele recria a natureza e tem a
possibilidade de inventar a sua própria vida. Onde há ser humano há espírito
inteligente, impulso de liberdade e manifestação de tenacidade.

Tratar com
o ser humano é tratar com o imponderável, o misterioso… Ele é seduzido pela
liberdade que lhe apresenta horizontes novos e lhe abre mares desafiantes. Ele
é “espaço à
vida aberta”, “vida que se expande”.
Com seu pensamento e
seu sonho, ele habita as estrelas e rompe todos os espaços.

Essa capacidade é o que nós
chamamos transcendência, isto é
,
“transcende, rompe, vai para além
daquilo que é dado”.
Numa palavra, o
ser humano é um projeto infinito; tem sentido de
transcendência,
projeta-se em muitas
direções.

O ser humano é mais do que parece
ser. Há nele algo maior que o leva a ser mais verdadeiro, mais justo, mais
criativo, mais arrojado, mais responsável…
“Desejando e elegendo aquilo que mais nos conduz…” (S. Inácio).

 

Jesus
expressa toda essa originalidade e riqueza do ser humano através da parábola do
camponês que, com suas mãos abertas, espalha as “sementes” em
diferentes terrenos.

A parábola
começa afirmando:
“Saiu
o semeador a semear”.

Ele faz isso com uma confiança surpreendente. Semeia de maneira abundante. A
semente cai em todas as partes, inclusive ali onde parece difícil que ela possa
germinar.

De fato, na semente
encontra-se presente uma grande força de
crescimento…
A força da vida,
contida no interior da semente, envelhecerá e se extinguirá se não houver quem
confie nela, e arrisque a sua terra, seu tempo e seu trabalho.

Quando a semente é
enterrada na terra, ela já conhece o seu caminho;
ela avança passo a passo, seja durante as horas em que as circunstâncias lhe
são mais favoráveis, porque é de dia e existe luz e calor em
abundância, seja porque é de noite, e o ambiente para seu crescimento já não é
tão propício.

Escondida ali, debaixo da terra,
envolvida pelo absoluto silêncio, a semente
germina e vai crescendo. O talo, a espiga e os frutos conduzem toda a
vitalidade da minúscula semente até a maturidade da planta. E cada árvore vive
intensamente o tempo que lhe cabe viver, o tempo suficiente para produzir
frutos em abundância.

 

Ao terminar
o relato da parábola do semeador, Jesus faz este apelo:
“Quem tem
ouvidos, ouça!”.

Ele nos pede que prestemos muita atenção à parábola. Mas, em que deve estar
focada nossa atenção: no semeador? na semente? nos diferentes terrenos?

Tradicionalmente,
nós cristãos nos fixamos quase exclusivamente nos “terremos” onde
cai a semente, para revisar qual é nossa atitude ao escutar o Evangelho. No
entanto, é importante dirigir nossa atenção ao semeador e a seu modo
de semear.

Para nós que crescemos em um
contexto religioso desde a infância, a leitura literal desta parábola
condicionou nossa visão da realidade em dois aspectos determinantes: o dualismo
e o moralismo.

Em tal leitura aparecia a imagem do
Deus semeador como um alguém separado e, portanto, distante.

Essa crença de separação, não só
alimentava um dualismo religioso – Deus frente ao mundo – de nefastas
consequências, mas que era a fonte de outras ideias igualmente perigosas em
suas consequências: o pecado, a culpa, a alienação, o infantilismo religioso…

Com frequência, o dualismo
religioso era acompanhado de moralismo. Se a semente não dava fruto numa pessoa
devia-se simplesmente à sua própria maldade, já que não havia preparado
adequadamente seu “terreno”. Assim se fazia presente a culpa em quem acreditava
ser um terreno improdutivo ou caía-se no farisaísmo, passando a vida limitando-se
somente a cumprir normas e leis.

 

A verdadeira “semente” é o que há de Deus em nós.

“O
semeador saiu”.

Para semear nos campos, na terra, é preciso sair de casa. Deus é, ao mesmo
tempo, “semeador e semente”. Ele “desce”, faz um Êxodo, um
deslocamento em direção à humanidade, onde encontra diferentes terrenos.

Em nossa terra interior já está
semeada a presença de Deus; é como a semente enterrada que permanece
fértil debaixo da terra desértica pela seca prolongada, e o olhar de Deus é
como a chuva que ao cair desper
ta a vida presente na semente.
Também gerará novidades em nós, convertendo-nos em vidas germinais.

Deus
se derrama em todos e por todos da mesma maneira, não como produto elaborado,
mas como semente, que cada deve acolher e deixar-se fecundar por ela,
para poder frutificar. O decisivo é tomar consciência do divino que nos habita e viver em harmonia com essa realidade. O
fruto seria uma nova maneira de nos relacionar com Deus, conosco mesmo, com os
outros e com as criaturas.

A semente é o mesmo Deus-Vida
germinando em cada um de nós; sua presença é sempre fecunda.

Deus habita em suas criaturas e se
manifesta em todas elas como algo tão íntimo que se constitui como semente de
tudo o que é. Não devemos dar a entender que nós os cristãos somos os
privilegiados que temos recebido a semente (Escritura). Deus se derrama em
todos e por todos da mesma maneira (a mão-aberta).

Somente
aquele que se deixa semear experimenta o sabor da seiva da vida de Deus
entrando por suas raízes, percorrendo seu ser inteiro, fazendo-o crescer e
dando os frutos de que nosso povo precisa. Aquele que não se deixa semear vive
de ilusões e fantasias que envenenam sua existência.

 

Entrar no
fluxo da ação do Semeador divino é preciso sair de nossos espaços seguros, de
nossas ideias e convicções atrofiadas, de nossos próprios esquemas fechados e
abrir-nos aos diferentes terrenos.

Semear é
uma tarefa nobre na vida: semear trigo, trabalho, cultura, educação, semear
ética, valores, esperança, respeito, dignidade, sentido da vida…

Ao mesmo
tempo que nobre, semear é uma tarefa de grande responsabilidade. Pais, mestres,
escolas, universidades, meios de comunicação, igrejas, etc., todos temos a
nobre e bela tarefa de semear.

Ao
nos convidar a ter raízes profundas, o Evangelho de hoje está afirmando algo
muito importante: nesta terra, nesta realidade social, cultural, eclesial e
política, já está semeado o Reino, já está viva e ativa a presença do Deus fiel
que cria futuro. Nós nos alimentamos desta Presença na medida em que nos
deixamos semear nela.

 

Texto bíblicoMt 13,1-23

 

Na
oração:
Durante
nossa vida somos convidados a nos deixar 
cultivar, a sermos arados e
regados pela presença de Deus que é capaz de transformar e extrair o melhor
fruto de cada um de nós. Por isso a vocação cristã é tão simples: deixar-nos
fecundar por esta presença, deixar-nos fazer por ela e permitir que ela
frutifique em nós.

– Sinta-se como a
própria Terra que, na sua evolução, chegou ao estágio de sentimento, de
compreensão, de vontade, de responsabilidade, de veneração, carregando em seu
ventre a presença d’Aquele que é, ao mesmo tempo, Semeador e semente.

 

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