Desata a Vida de Jesus que já está em Ti!

Data:
17/03/2024

“Quem se apega à sua vida, perde-a” (Jo 12, 25)

O percurso quaresmal está chegando ao seu cume; aproxima-se o desenlace final de uma vida entregue em favor da vida. Jesus sente o clima pesado de rejeição por parte das autoridades religiosas. Estamos no cap. 12 do quarto evangelho. Depois da unção em Betânia e da entrada triunfal em Jerusalém, e como resposta aos gregos que queriam vê-lo, João põe na boca de Jesus um pequeno discurso que não responde nem aos gregos, nem a Felipe e André. Mais uma vez Jesus fala da Vida, da sua vida; Ele tem plena consciência que não viveu em vão: viveu des-centrado, investiu suas melhores energias vitais em favor de uma causa, sua vida deixou transparecer um profundo sentido.

Compreendemos melhor o evangelho deste domingo se o situamos no contexto da última viagem de Jesus a Jerusalém: nesta viagem se entrelaçam a vida e a morte com muita força.

E, ao chegar a Jerusalém, proclama de novo o triunfo da vida, como fizera durante sua itinerância pela Galiléia. Ele nos revela esta verdade, nem sempre muito clara para nós: embora pareça que a vida se decompõe como o grão de trigo, na realidade, o que acontece é uma eclosão de sua fecundidade. Embora pareça que amar os outros e entregar a vida, dia após dia, é uma perda, na realidade é o maior ganho, porque nossa limitada vida se transforma numa vida plena, intensa, com sentido (eterna). Embora pareça que pôr-se a serviço do Reino é perder a liberdade, na realidade significa investir o melhor que há em nós, potencializando nossos recursos para investir numa causa mobilizadora, que é a causa do mesmo Jesus. Embora estejamos tão perturbados como Jesus, desejando que nos livre de qualquer processo que conduza ao sofrimento e à cruz, há um horizonte de glorificação e plenitude. Onde nos situamos neste confronto entre a vida e a morte?

vida e a morte não são inimigas que se destroem; elas são amigas, irmãs inseparáveis.

Morre-se ao longo da vida. Este é o caminho normal de morrer.

vida é o lento amadurecer da morte. Morre-se na vida, durante a vida, na medida em que a morte é fruto maduro das opções de toda a vida. As decisões fazem e farão a nossa morte. A morte nos ronda e nós rondamos a morte. “Começamos a morrer no dia em que nascemos”.

A experiência cristã nos revela o caminho de uma morte preparada ao longo da vida, porque a entende em relação com a vida e a vida em relação com a morte. Vida sem morte é irresponsável; viver sem morrer é viver menos. Tira a seriedade da vida.

Só assumida em liberdade e ativamente, a morte se humaniza. Na fé, cristianiza-se.

A consciência de nosso próprio fim nos leva a pensar num sentido para a existência, para que não termine no vazio e no absurdo. Podemos afirmar, então, que “a morte está na vida”.

Entre os valores humanos fundamentais está o sentido.

A questão do “sentido da vida” ou a “vida com sentido” é fundamental na existência humana.

– Por que vivemos? Para que vivemos? Quanto vale uma vida e o que vale na vida?

– Quem quer ficar ancorado? Quem não aspira preencher a própria vida de relatos, encontros, paixões, gestos, lições, projetos, ideias e sentimentos?

Qual o sentido da vida? Pergunta inquietante e parece que todos são por ela assombrados de vez em quando: “vale a pena viver?”

Ninguém tem uma razão pela qual viver se não tem ao mesmo tempo uma razão pela qual morrer.

O ser humano tem necessidade de uma causa, de canalizar todas as suas forças, seus desejos, energias, impulsos vitais e recursos internos e externos em direção a um objetivo no qual acredita apaixonadamente. E a ele dedicar-se com tudo que é e possui. Com intensa paixão.

Sabemos que, para viver uma vida verdadeiramente humana, precisamos de sentido. Segundo Nietzsche, “aquele que tem um porquê pelo qual viver pode tolerar praticamente qualquer como”.

Para Victor Frankl, fazemos a experiência do “sentido da vida” quando respondemos aos questionamen-tos da situação concreta em que vivemos, permitindo-nos a nós mesmos confiar em um “sentido último” que podemos chamar ou não de Deus.

Ao perder o sentido de sua origem e do seu fim, o ser humano perde o sentido da própria vida.

Portanto, o sentido da vida é algo que experimentamos visceralmente, sem que saibamos explicar ou justificar. Não é algo que se constrói, mas algo que nos ocorre de forma inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos de onde vem nem para onde vai; é uma intensificação da vontade de viver a ponto de nos dar coragem para morrer por aquela causa que dá à vida o seu sentido.

É uma transformação de nossa visão de nós mesmos e do mundo, na qual as coisas se integram como uma melodia; isso nos faz sentir reconciliados com o universo ao nosso redor, possuídos por um sentimento oceânico, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões cósmicas.

Por trás do ritmo acelerado e estressante dos nossos tempos, esconde-se um enfraquecimento do sentido da existência. A crise pós-moderna que vivemos revela este traço sinistro: as pessoas não percebem mais razões e causas pelas quais se entregar, pelas quais dar a vida. E assim não encontram igualmente motiva-ções para viver intensamente. Segundo S. Inácio, uma pessoa vale pela causa à qual se entrega.

Muitas vezes, nossas fomes viscerais, nossos desejos que nos devoram as entranhas, nossos sonhos que nos inquietam… não encontram canais amplos para jorrar. E então se atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. “E a mediocridade não tem lugar na cosmovisão de Inácio” (Pe. Kolvenbach).

Surge então a “normose” que mina as forças, atrofia os sonhos e mata a criatividade. E o pior de tudo: anestesia a paixão. Se não há paixão naquilo que fazemos, tudo vira rotina cansativa, não há empenho e nem compromisso possível.

“Viver a fundo” é não passar pela superfície da vidaé não perder a capacidade de amar, de vibrar, de buscar… Aqueles que são movidos pela paixão apostam que o ser humano tem potencial criador e foi feito para voar alto, para tentar, mil e uma vezes, alcançar cumes distantes.

Inspirados pelo evangelho deste domingo, somos convidados a tomar consciência de como estamos gerenciando esta dinâmica: viver para nós mesmos (ego) ou entregar a vida (oblação).

Enquanto o ego for o centro, doar soa estranho; ele só se preocupa consigo, conquista, executa, quer ser o melhor (“se outros perdem, eu ganho”) e é obeso por natureza (ego inflado); devorador.

Se alguém quer me servir, siga-me…”. “Diakonos” significa servir, mas por amor. É no serviço e no seguimento de Jesus que as potencialidades de vida são ativadas.

Jesus convida a segui-lo no caminho que acaba de traçar, ou seja, doar a vida a serviço da vida. Seguir Jesus é entrar na esfera do divino, é deixar-nos conduzir pelo Espírito. Nossa vida só se reveste de pleno sentido quando se põe a serviço da Vida maior. Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de nossa morte um ato de decisão, de entrega, de oblação.

Texto bíblicoJo 12,20-33

Na oração: examine, à luz do coração misericordioso do Pai, o percurso quaresmal vivido; desvelar estas três dinâmicas: a da gratidão, a do perdão e a da compaixão.

Em que medida elas se fizeram presente ao longo deste tempo litúrgico.

– São três atitudes que mobilizam o “melhor” que há em cada pessoa; três dinamismos que dão sentido à própria existência e abrem horizontes inspiradores; três forças que revelam a essência da vida cristã: identificação com Aquele que as viveu em plenitude.

Compartilhar

LEIA MAIS

06 jul 2025

Itinerância comprometida com a vida e a paz

29 jun 2025

São Pedro e São Paulo: Duas Revelações, Dois Personagens Originais

22 jun 2025

Retornar a Jesus

15 jun 2025

Trindade: Pai, Palavra e Vento

08 jun 2025

Somos argila, mas portadores do “Sopro vital”

01 jun 2025

Ascensão: expandir a visão

25 maio 2025

Criados para serem habitados

18 maio 2025

Amar servindo, servir amando

11 maio 2025

Escutar é um ato de amor

04 maio 2025

Ressurreição: das cinzas às brasas na praia do mar de Tiberíades

27 abr 2025

“Tocar” o Verbo de Deus, “tocar” os crucificados

20 abr 2025

A luz da esperança que brilha na noite pascal

19 abr 2025

Sábado Santo da espera e da esperança

18 abr 2025

Sexta-feira Santa

17 abr 2025

Quinta-feira da Semana Santa