A ORAÇÃO NOS TRANS-FIGURA

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A ORAÇÃO NOS TRANS-FIGURA

 

“Enquanto
rezava, seu rosto mudou de aparência…”
(Lc 9,29)

 

Para viver com mais intensidade o caminho quaresmal, a liturgia deste
domingo nos apresenta o relato evangélico que nos dá uma luz para continuar
avançando bem orientados. Caminhamos para a vida, para a essência de nosso ser,
para a comunhão com tudo e com todos. Precisamos, de tempos em tempos, de um “Tabor”,
como parada estratégica, para “sentir e saborear” a presença próxima e amorosa
de Deus Pai que nos transforma, nos transfigura e deixa ressoar em nós sua
instigante voz:
“este(a) é o(a) meu(minha) filho(a), o(a) Eleito(a)”.

Voz que nos desperta e nos faz tomar consciência de que há
possibilidade de “ir mais além”, ao essencial de nosso ser. A experiência da
Tabor nos arranca do caminho rotineiro e nos abre para um horizonte maior.
Podemos reconhecer que a nós também nos foi dado o
“gene” da transfiguração, que é força que nos move continuamente a não nos deixar determinar pela
nossa auto-imagem, pela aparência, e sim, centrar nosso olhar n’Aquele que é
pura transparência do Pai.

Trata-se de eleger entre continuar cuidando do exterior (as roupagens,
os aplausos momentâneos, a presença nas redes sociais, o número de seguidores
que temos…) ou cuidar dessa outra “dimensão” que nos conduz ao mais profundo,
que nos tira do caminho estreito e repetitivo para nos fazer descobrir Aquela
presença que nos transfigura e transfigura a realidade de nosso entorno.

 

O relato da “transfiguração” de
Jesus se situa expressamente em um contexto de oração. É ali onde,
através da luminosidade do seu rosto, Ele deixa transparecer algo da sua
verdadeira identidade.

Por isso, na transfiguração, a humanidade
de Jesus se revela como pura transparência do Pai. Ou seja, o que há de divino
em Jesus está em sua humanidade. Só no humano transparece Deus.

A Transfiguração está nos dizendo quem era
realmente Jesus e quem somos nós. Ela nos revela também nossa identidade e nos
faz caminhar em direção à nossa própria humanidade.

Por isso, uma pessoa transfigurada
é uma pessoa profundamente humana. Tudo o que é autenticamente humano é
transparência de Deus. Em outras palavras, a vivência do humano nos diviniza.

A transfiguração não é condição de
um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de
“sair de seu
próprio amor, querer e interesse”
(S. Inácio). Transfigurar é descentrar-se e
expandir-se na
direção
do outro.

A Transfiguração nos possibilita
cultivar um “olhar” que sabe ver em profundidade, descobrindo em cada ser
humano, para além de suas aparências, um ser transfigurado, porque somos
capazes de vê-lo em sua beleza e bondade originais; um olhar que sabe se deixar
impactar por tudo aquilo que nos cerca e é capaz de ficar assombrado diante do
Mistério.

 

O Tabor não só é o lugar do encontro
íntimo com o Senhor; implica também o encontro com o melhor de nós mesmos
(nossa identidade); a Montanha nos “transfigura”, revelando nosso
ser essencial; no silêncio do monte poderemos perceber nosso verdadeiro rosto,
iluminado por Aquele que se deixa “trans-parecer” em tudo.
“O evangelho é um itinerário
para abrir com profundidade a interioridade humana”
(Rovira Belloso) e nele vemos como Jesus promove o retorno ao interior; o mistério da transfiguração nos des-vela e nos
move a ultrapassar nossas “falsas imagens” e encontrar-nos com a
luz que nos habita. Podemos “entrar” em nós mesmos
porque em nós está a dimensão de eternidade, de transparência, de divino.

Transparente é um modo de ser; a transparência
faz referência à luz, à vida interior, ao conhecimento próprio, ao desejo de
deixar-se ver, à pureza de intenção, à simplicidade e ao deixar-se conduzir
pelo mesmo Espírito de Jesus.

 

A experiência orante no alto do “Tabor” é o meio
privilegiado para voltarmos a mergulhar
continuamente nessa Luz de onde procedemos.
Entramos na corrente universal, até a Vida
de Deus. Orar é deixar-nos conduzir
até às profundidades trinitárias onde Deus nos forma e nos configura
à sua imagem. Não devemos ficar surpreendidos se, interiormente, sentirmos uma plenitude de alegria e de
superabundância.

A oração ajuda a evangelizar até as profundidades do nosso ser. Ela é o caminho interior do Tabor que nos faz chegar até nosso próprio “eu original”, aquele
lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de nós mesmos,
mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância,
onde mergulhamos no silêncio, à escuta de todo o nosso ser.

Se a nossa
oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir
à nossa consciência as profundidades
desconhecidas
do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades,
recursos ori
ginais,
riquezas, capacidades, intuições…
e nos faz
descobrir em nós, nossa verdade mais
verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis…

Assim,
a divina
pedagogia
evoca a verdade do ser humano, comporta uma pro-vocação, uma
proposta que o move a potencializar ao máximo seus recursos internos, revelando
aquilo que ele é capaz…

Deixar-se
“iluminar” pela Luz do Tabor significa uma autêntica experiência e que tem
efeitos explosivos: é novidade que surpreende e às vezes assusta, cria novas
expectativas e solicitações, traz clareza e 
mobilização, pede a mudança dos costumes e dos velhos estilos de vida,
leva adiante o equilíbrio da pessoa em direção a horizontes imprevisíveis, abre
uma nova fase de vida…

 

Situados no alto do nosso Tabor atingiremos experiências
imprevistas e surpreendentes, ou reconheceremos, através do murmúrio dos
ventos, “vozes novas” que nos incitam a peregrinar para as regiões desconhecidas
do nosso próprio interior. Só assim, poderemos vislumbrar o
outro lado e tocar as raízes mais profundas que darão
sentido e consistência ao nosso viver.

A subida ao Tabor nos potencia, libera energias e
recursos escondidos, torna-nos criativos, coloca-nos em movimento, tirando-nos
de nossa acomodação…

“Subir” o Tabor é deixar-nos
conduzir pela presença do Espírito de Jesus, para “descer” com
mais vigor e ânimo ao vale do cotidiano e ao compromisso na prática do bem e da
justiça.

Tabor significa sair de nosso
pequeno e limitado mundo cotidiano, de nossa visão estreita das coisas, da vida
corriqueira do vale…; significa alargar nossa visão da realidade, abrir novos
horizontes…

Por isso, a transfiguração
no Tabor implica ter
“mais portas e janelas” em nossa vida interior.

O Monte Tabor nos oferece janelas
que permitem ampliar nossa visão. Através delas purifica-se o ar denso, pouco
respirável que geramos quando fechados em nós mesmos. As janelas nos situam em
comunhão com a natureza e com a humanidade. Elas revelam aos outros algo original
que é só nosso; elas apontam para a porta que se abre, para que os outros se
aproximem e entrem em nossa vida.

O mergulho em nós mesmos, para além
de nós mesmos,
realiza a metamorfose que nos devolve à vida transfigurados
pelo amor que nos habita e plenifica.

 

Texto bíblicoLc. 9,28-36

 

Na oração:  Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na
oração, cavar mais profun-damente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade. É
no mais profundo de sua interioridade
que você escutará o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele
que
armou sua tenda entre nós”.

– Só há um caminho para ter
acesso ao Tabor: procure entrar em seu espaço interior; investigue e examine
suas raízes nos recantos mais profundos de seu coração; sinta-se convidado(a) a
despojar-se de suas medidas de segurança, a desnudar-se de todos os personagens
e máscaras.

– Extraia de dentro de si
uma resposta profunda, um sentido novo, uma esperança ousada…


Construa sua vida de acordo com esta descoberta.

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