A fé que se visibiliza no serviço

Data:

“Quando
tiverdes feito tudo o que vos ordenarem, dizei: ‘somos simples servos, só
fizemos o que devíamos fazer”
(Lc 17,10)

 

Continuamos o percurso contemplativo, seguindo e
aprendendo com Jesus. No evangelho deste domingo temos a impressão de que Lucas
recolhe afirmações do Mestre da Galiléia que, aparentemente, estão desconexas;
no entanto, há um fio condutor muito sutil. Nos relatos anteriores, Ele nos
pedia, de diferentes maneiras, para que não colocássemos a confiança nas
riquezas, no poder, no luxo; e hoje nos diz claramente: “não coloques tua
confiança em tuas ‘boas obras’”. Confia somente em Deus.

Os dois temas que o evangelho deste domingo nos
propõe estão intimamente conectados; ou seja, devemos confiar somente em Deus e
não nas nossas obras. Aqueles que passam a vida acumulando méritos não confiam
em Deus, mas em si mesmos. A salvação por “pontos conquistados” é totalmente contrária
ao evangelho. Esta era a atitude dos fariseus que Jesus criticou.

Também hoje é comum a atitude daqueles
que não se identificam com Jesus e se limitam a cumprir alguns ritos, observar
algumas normas e penitências, realizar algumas “obras interesseiras”.

Suas vidas não deixam transparecer
a “fé em Jesus”; quando falta esta adesão pessoal viva, interiorizada, cuidada
e confirmada continuamente no próprio coração e nas relações com os outros, a
fé corre o risco de atrofiar-se, reduzindo-se à aceitação doutrinal, à prática
de obrigações religiosas e obediência a uma disciplina. A vivência da fé cristã
consiste primordialmente na identificação com Aquele que nos atrai e nos chama:
“Vem se segue-me!”

 

No relato deste domingo, os apóstolos, depois de
um tempo de convivência com Jesus, se dão conta de que lhes falta algo para
poder compreender as exigências d’Ele. Por isso, suplicam:
“aumenta nossa fé”.

Como de outras vezes e como bom “pedagogo”, Jesus
não responde diretamente à petição dos apóstolos.

Quer dar a entender que a não é questão de quantidade, mas de autenticidade. Além
disso, a não pode ser aumentada a
partir de fora; ela precisa crescer a partir de dentro, como o grão de
mostarda.

A fé é um caminho, é uma
“travessia” em direção a largos horizontes; e um desejo eternamente
insatisfeito; é uma confiança continuamente renovada, um compromisso sem final.

A não se resume a um ato nem uma série de atos, nem uma adesão a
uma série de verdades teóricas que não podemos compreender, mas uma atitude
pessoal fundamental e total que imprime uma direção definitiva à existência.
Confiar naquilo que realmente somos nos dá uma liberdade de movimento para
desatar todas as nossas possibilidades humanas.

Na Bíblia, a é equivalente à confiança em uma pessoa, acompanhada
da fidelidade.

Nesse sentido, a fé é uma vivência
em Deus;
por isso não tem nada a ver com a quantidade.

 

Jesus denuncia a dos seus discípulos, que parece frágil, de pouco fôlego, incapaz
de manifestar aquela força que muda a vida, o modo de pensar, de sentir e de
agir.

A
supõe o des-centramento de si mesmo e o reconhecimento de Deus como centro da
própria vida, numa atitude de confiança incondicional; ela abre para o ser
humano o horizonte infinito de Deus. Crer significa deixar Deus ser totalmente
Deus, ou seja, reconhecê-lo como a única razão e sentido da vida.

É esta experiência de fé que
desata as ricas possibilidades latentes em nosso interior. Com a imagem da
amoreira que é transplantada, Jesus nos está dizendo que o dinamismo de Deus está já atuante em cada um de nós e nos
possibilita viver profundas mudanças (sair de um lugar estreito, limitado… e
lançar-nos a outro lugar amplo, desafiante…). A fé é experiência expansiva da
própria vida, movida pela graça de Deus. Aquele que tem confiança em Deus,
poderá desatar toda essa energia de vida.

Essa vida é o que de verdade
importa. Por isso, crer em Deus é também confiar em cada ser humano e em suas
possibilidades para alcançar sua plenitude humana.

 

Que
alimentemos, portanto, dentro de nosso coração, esta viva, forte e eficaz. que
se visibiliza no serviço por pura
gratuidade; ou, segundo S. Paulo, a fé que se realiza
pela prática do amor” (Gal. 5,6).

E Jesus ilustra isso com a pequena parábola do “simples
servo”.
Parábola dirigida àqueles que confiam em suas obras e exigem
uma recompensa de Deus. Daí o perigo da soberba religiosa: comparar-se com os
outros, colocando-se acima deles e fazendo-se o centro.

No Reino de Deus, somos todos servidores;
nele não se trabalha por recompensa. Já é um privilégio podermos colaborar na
obra o Senhor. A parábola revela que o trabalho
a serviço do Senhor já é uma graça e a recompensa não pode ser exigida; ela é
dom.

Não podemos fazer desse serviço uma
“carreira”, com promoções, honrarias e prêmios. No mundo em que vivemos, a
mínima prestação de serviço exige uma gratificação específica. Tudo tem um
preço. Nossa mentalidade exclui todo espírito de serviço gratuito.

As “obras boas” não são um crédito
que podemos apresentar a Deus; são, antes, a manifestação de que temos acolhido
o amor de Deus e o manifestamos aos outros. Confiar em Deus é também
incompatível com a confiança nos próprios méritos.

Há aqui o princípio ético que deve
reger a conduta do cristão, diante de Deus e diante dos outros. É a atitude da
inteira disponibilidade, a intensidade do compromisso, sem queixas, sem
comparações e nem exigências. Uma ética e uma espiritualidade assim revelam um
profundo e inexplicável humanismo.

 

Sabemos que Jesus desencadeou um movimento
profético em favor da vida, mobilizando seguidores(as) a quem confiou a
missão de anunciar e promover o projeto do Reino de Deus. Por isso, o mais
importante para reavivar a fé cristã é ativar a decisão de viver como
seguidores(as) seus(suas).

Nesta perspectiva, o critério primeiro e a chave
decisiva para entender e viver a fé cristã é seguir Jesus Cristo. Quem o
segue vai descobrindo o mistério que se revela n’Ele, situa-se na perspectiva
correta para entender Sua mensagem e vai aprendendo a trabalhar a serviço do
Reino de Deus. O seguimento constitui o núcleo, o eixo e a força que permite a
uma comunidade cristã expandir sua fé em Jesus Cristo.

Por isso, mais que ter fé em Jesus,
o decisivo é “viver a fé de Jesus”; e a fé de Jesus está intimamente vinculada
à justiça do Reino, ou seja,
comprometida com a vida.

Para Jesus, a fé não está vinculada
a um catálogo de crenças, a uma doutrina, a uma religião, e sim, a um modo de
viver e agir, profundamente sintonizado com o modo de ser e agir do Pai.

Deixando-nos afetar e seduzir pela
identificação com Jesus, vamos nos revestindo das grandes atitudes e
compromissos que Ele viveu na sua missão, sobretudo na relação com os mais
pobres e excluídos, alimentando neles a esperança de um mundo novo, o Reinado do
Pai. É isso que, como seguidores(as), temos de interiorizar e viver sempre.

 

Texto bíblicoLc
17,5-10

 

Na
oração:
Fazer memória de tantas pessoas
que, mes-

                    mo no anonimato de suas vidas, foram
refe-rências na vivência de fé, integrando uma profunda ade-são ao Deus da Vida
e o compromisso em favor da vida.


Sua vivência de fé faz diferença na realidade em que você se encontra? Ela
inspira, move, provoca… a sair das suas “normoses religiosas” (normalidade
doentia centrada no legalismo, no moralismo, no ritualismo…)

 

 

 

Compartilhar

LEIA MAIS

02 nov 2025

Finados: Enraizados no Deus da Vida

37ª Semana de Liturgia

Clero Diocesano de Limeira – Formação Permanente

46ª Assembleia Eclesial do Regional Sul 1 da CNBB

26 out 2025

A oração desvela nossa autoimagem

Colaboradores da Companhia de Jesus participam da formação sobre o DSS

19 out 2025

Viúva indignada: a força da voz dos marginalizados

Retiro da Reforma Tributária no Mosteiro de Itaici

Exercícios Espirituais de 8 Dias

12 out 2025

O bom vinho da presença

05 out 2025

A tentação da busca de recompensas

26 set 2025

Clero de Santo André

28 set 2025

“Ilhas de compaixão num mar de indiferença” (Papa Francisco)

21 set 2025

“Os pobres são os assessores do Rei Eterno” (S. Inácio de Loyola)

14 set 2025

Na Cruz revela-se o Amigo dos crucificados