Natal: nunca é tarde para a ternura
“Encontrareis
um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12)
Contemplando o mundo, tal e como está hoje, não há
dúvida que é preciso uma revolução: ecológica, política, social, econômica,
religiosa...; mas, fundamentalmente, o que mais precisamos é de uma revolução
do afeto e da ternura. Nosso corpo, nossa
psicologia e nosso coração já não suportam mais tanto ódio, intolerância,
preconceito, violência, mentira, brutalidade, julgamento... Não podemos
continuar alimentando mais desconfiança, mais medo e mais indiferença. Fomos
feitos para o amor, para o encontro, a acolhida...
Somos seres
limitados e não podemos viver ignorando a realidade de nossa fragilidade e
finitude. Não podemos viver sem amor e sem reconhecimento; precisamos uns dos
outros para sentir o calor da estima e da amizade, para consolar-nos em nossos
fracassos, para acompanhar-nos em nossa solidão essencial. Precisamos uns dos
outros para sentir-nos vivos, para estar vivos e viver a “cultura do encontro”.
Não há afeto e ternura sem o outro a quem amar. O afeto
e a ternura se expressam com palavras, gestos, atitudes e atos; mobilizam a pessoa
inteira, abrem a cabeça, os sentidos e o coração. No abraço, nos abraçam; no
olhar, nos olham; na cordialidade, o coração se aquece; na carícia, a pele se
sente reconfortada...
Não há riqueza que compre a ternura ou desterre o
ódio, não há dinheiro que alimenta a esperança e a confiança. É missão de cada
um de nós viver a ternura como despojamento de nossa humanidade; é tarefa de
toda a comunidade humana confiar que no coração de cada homem e cada mulher
Deus já semeou a “faísca do Amor”. Sem afeto e ternura, sem dedicar tempo e
energia para nos cuidar, estamos percebendo o alto custo que isto implica. Quem
paga? Nosso corpo, nossa afetividade, nossas relações, nossa família, nossos
amigos, os mais vulneráveis e excluídos deste mundo, a natureza...
Neste
contexto tão hostil à vida e à humanidade, que petrifica nosso coração e nos
desintegrada, o Natal pode ser uma ocasião
privilegiada para reivindicar a “revolução do afeto e da ternura” como ponto
de partida para uma nova humanização. Na sua essência, a festa natalina nos
situa diante deste grande Mistério: “Deus se humanizou para que nos tornemos mais humanos”.
O Papa Francisco, na “Evangelii Gaudium” afirma que
o “Filho de Deus encarnado nos convidou à revolução da ternura”. Poucas vezes podemos encontrar estes dois vocábulos
juntos. Revolução sugere rebeldia, ruptura, protesto, rebelião, choque de
poderes, transgressão... Ternura
evoca abraço, carícia, cuidado, proteção da vida. A frase não é exagerada pois
somente se pode preservar a vida a partir da ternura. É o atributo humano mais
elevado para combater o ódio e construir a paz. Ternura não é sinônimo de
debilidade, mas é uma das expressões mais profundas e vigorosas do amor, é a
seiva mesma do amor, sem a qual este se apaga. A ternura é a expressão profunda
e gratificante do amor que sente o outro como outro, que o respeita em tudo o
que ele é, o admira com intuição e fina sensibilidade.
Esta é a “ternura essencial”
(Leonardo Boff) e não mero sentimentalismo estéril. Partindo desta perspectiva,
podemos dizer que a ternura é uma força capaz de transformar os mais pesados
ambientes, porque no detalhe do abraço, das palavras consoladoras e
conciliadoras, dos gestos de proximidade, etc, revela-se aceitação, tolerância,
respeito, dignidade e uma grande sensibilidade humana.
Assim, pois, a ternura no campo
político, social, racial, religioso... nos ajuda a construir coletivamente
pontes de reconciliação e colher o fruto da paz. Com razão dizia Tomás Borge
que “a solidariedade é a ternura
dos povos”. “Jamais devemos ter medo da ternura” (Papa Francisco).
O
grau de humanidade (ou de barbárie) de nosso mundo se mede pelo grau de
sensibilidade diante da dor e da miséria humana. E é a ternura a melhor
expressão dessa sensibilidade e humanidade. Ela é, antes de tudo, uma
experiência relacional que nos compromete a ver o mundo e as pessoas de maneira
diferente e nos relacionar também de maneira diferente. E como a ternura brota
do coração, é ali, no coração, onde os olhos se purificam para ver e sentir a
realidade que nos envolve. Ternura é o contrário da apatia, da indiferen-ça e
da violência. É o amor que abraça, envolve, protege e salva.
Natal é manifestação da ternura de Deus pela humanidade
e pela Criação inteira; no nascimento de Jesus “apareceu a bondade e a ternura de Deus” (Tit 2,11). Apareceu um Menino; apareceu a ternura e a doçura de Deus que salva. Por sua ternura, Deus
reveste o ser humano de uma “pele divinizada”, capaz de amar, de manifestar
compaixão, de expressar uma nova sensibilidade.
No Natal celebramos precisamente que Deus se fez “pele” e
se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. No fluxo da Ternura divina,
nossa ternura é aquecida e nossos afetos despertados. Ninguém pode viver sem
afeto e sem ternura.
Só quem experimenta
a ternura sabe ser possuidor de uma “segunda pele” que certamente o faz
mais vulnerável, mas ao mesmo tempo mais humano, ou ao menos, mais apto para
penetrar no segredo de uma humanidade capaz de sentimento e estremecimento nunca
imaginados, capaz de adornar a existência de uma luz acariciadora e expressar
uma relação afetuosa com tudo e todos.
A ternura emerge assim como algo que é, antes de mais nada,
próprio de Deus. Segundo a Revelação, Deus é Aquele que instaura o primeiro
movimento de ternura para com a humanidade, e que encontra a expressão máxima
numa Criança nascida numa gruta em Belém.
O coração de Deus é coração com “entranhas de ternura”, entranhas que se
comovem e que O fazem sair e transbordar-se como amor terno sobre a história e
sobre a humanidade.
Ou seja, como experiência fontal, há uma ternura divina que
atravessa a fibra do humano, divinizando-o.
À imagem desse Deus de ternura fomos criados como seres capazes e
necessitados de ternura. Uma ternura que é um simples reflexo dessa “forma
suprema de ternura”, que é o Amor de Deus e que se aproxima da realidade humana
como Ternura amorosa.
Na gruta de Belém
“descemos” ao chão da nossa humanidade para recuperar e projetar dimensões
humanas que estiveram esquecidas ou desprezadas. Entre elas está a mais
importante e que carrega grande significado: a ternura. A humanidade
está carente de ternura e precisa despertar para a ternura, atributo
essencial para uma personalidade sadia. Sem ternura, a personalidade sofre
deformação. Trata-se de “necessidade básica” para o desenvolvimento normal de
nossa condição humana enquanto seres pessoais e sociais.
A ternura mantém a reciprocidade com o diálogo, a afetividade, a
compreensão, a amizade, o respeito, o direito, a solidariedade; ela é aberta,
não se fecha, ajuda o mundo a ser mais humano, e não selvagem, alegre, e não
triste, pacífico, e não belicoso, justo, e não injusto, limpo e não sujo.
Assim, a ternura ética preserva a humanidade, ventilada pelo sopro d’Aquele
que “renova a face da
terra”.
Texto
bíblico: Lc
2,1-14
Na
oração: Natal: a
estrela misteriosa brilhou numa Gruta;
Deus já
não deve ser procurado para além dos astros. Ele está deitado em cima de
palhas, Ele está no coração da humanidade, Ele revela sua “face” na ternura de
uma criança.
-
Entre em sua “gruta interior” e deixe que a ternura do Deus-Menino ative a
ternura escondida em seu coração. Quando isto acontecer, você estará vivendo o
verdadeiro espírito de Natal.
Um abençoado e terno Natal a
todos!
Pe. Adroaldo Palaoro sj