“Atenção!
Estai despertos, porque não conheceis o dia nem a hora”
(Mc 13,33).
Estamos no primeiro domingo do Novo Ano litúrgico. Começamos com o Advento, que não é somente um tempo litúrgico, mas um “modo de viver”. Trata-se de uma atitude vital que precisa atravessar toda nossa existência. Não teremos entendido nada da mensagem de Jesus se ela não nos inspira a viver em constante busca daquilo que já está presente em nosso interior.
O
importante não é recordar a primeira vinda de Jesus; isso é só o pretexto para
descobrir que Ele já está presente em nós e na nossa realidade. Também não se
trata de nos preparar para a última vinda, que é só uma grande metáfora. O
importante é descobrir que Ele está vindo neste instante, a cada instante.
Através de
uma simples parábola Jesus nos anima à espera ativa e à atenção
consciente frente à passagem de Deus por nossa vida. O Deus de Jesus não é
inacessível, distante, impassível; seu desejo é vir sempre ao nosso encontro,
de forma surpreendente e desconcertante. Mas, nem sempre estamos mobilizados
para entrar em sintonia com a presença providente d’Aquele que habita em tudo e
em todos. A vida é um constante Advento que nos pede estar despertos para
acolher a novidade de Deus em cada momento e situação. A pergunta fundamental
não é tanto “onde está Deus?”, mas “como Deus está
atuando?”.
Às vezes Ele irrompe como grito
persistente para fazer-nos despertar de nossas sonolências cúmplices, de nossas
dispersões, impulsionando-nos a sair de nossas falsas seguranças ou das “zonas
de conforto” frente à injustiça, à violência, à marginalização dos outros; outras
vezes, Ele atua com a suavidade de uma carícia que nos cura e nos capacita para
sermos canais de consolo e libertação frente às feridas do coração do mundo e
da história; outras vezes, nos instiga a pôr no centro a vida, a alegria e a
esperança, em meio a tanta destruição que está acontecendo, desfigurando o
rosto d’Aquele que é sempre Presença Amorosa.
O apelo de Jesus no evangelho deste
domingo (“ficai atentos!”, “vigiai!”) pode muito bem ser traduzido por “ficai despertos!”. O oposto
à atenção é a rotina e o modo “normótico” de viver, sem inspiração e
criatividade. A rotina tem a “vantagem” de nos facilitar as coisas e nos
confere uma certa sensação de segurança: nós nos movemos por caminhos trilhados
nos quais tudo se revela familiar. Os hábitos repetitivos permitem que façamos
muitas coisas sem precisar perguntar pelo sentido daquilo que estamos fazendo,
sobre o “porque” e “para quem” fazemos; tudo é realizado no “piloto
automático”.
No entanto, se não estivermos atentos,
esse modo de viver tem um preço muito alto que pode chegar a manifestar-se como
desânimo, cansaço e vazio. Perdemos a novidade e o frescor da vida. Na
realidade, mais que viver, vegetamos, sobrevivemos ou agimos mecanicamente.
A atenção, pelo contrário,
nos conecta com a vida, porque nos traz ao presente. E o presente é o único
lugar da vida. Graças à atenção, habitamos o momento presente, deixando-nos
fluir com a vida mesma. Graças à atenção, vivemos na consciência, acolhendo
tudo a partir da lucidez e amando tudo a partir da sabedoria. Sintonizamo-nos
com a corrente da vida e fazemos a descoberta maior à qual podemos aspirar: que
a consciência não é só uma atitude que podemos favorecer, senão que constitui
nossa verdadeira identidade.
Estar
atento é ousar renascer, advir, vir-de-novo, recomeçar...
Nessa atenção vislumbramos detalhes decisivos: a vivência da ternura, a
reinvenção da vida em cada amanhecer, o criar asas e alçar vôo, o despertar de
sonhos, a gratuidade amorosa, a alegria transbordante...
Vemos assim que, no dizer de Jesus,
o tempo da ausência do “dono da casa” que partiu em viagem não é um “tempo
morto”, mas um tempo de intensa gestação. Não é uma espera vazia,
angustiante e ansiosa, provocadora de medo, mas uma espera centrada no Senhor
que vem e centrada na responsabilidade que foi confiada: serviço.
O Advento vem nos dizer: “há uma esperança
para o teu futuro” (Jer 31,17)
A esperança
é algo constitutivo no ser humano. Para ele, viver é caminhar para um futuro. Sua vida é sempre busca de algo
melhor. O ser humano “não só tem
esperança, senão que vive na medida em que está aberto à esperança e é movido por ela” (H. Mottu).
Por isso, quando numa sociedade se
perde a esperança, a vitalidade decai, a marcha se paralisa e a vida mesma
corre o risco de degradar-se.
Esperança é uma palavra vencedora.
Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece para salvar.
Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o
desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio
da morte os que não veem mais razão para viver.
Vivemos de esperança;
se não fosse assim já teríamos desaparecidos há muito tempo. Vivemos e continuamos
avançando sobre um abismo de ameaças, mas temos de despertar para viver mais um
ano, com inspiração e criatividade, superando os desafios da vida.
A esperança,
hoje como sempre, não é virtude de um instante. É a atitude fundamental e o estilo
de vida daqueles que enfrentam a existência “enraizados e edificados em Jesus Cristo” (Col.2,6)
Todo o AT está atravessado pela
promessa e pela espera. Segundo o relato bíblico, Deus vai lhes prometendo o
que eles mais aspiravam em cada momento. A Abraão, Deus promete descendência;
aos escravos no Egito, promete liberdade; aos famintos no deserto, promete uma
terra que mana leite e mel; quando conquistaram Canaã, promete uma nação forte
e poderosa; quando estão no Exílio, promete fazê-los voltar à sua terra; quando
o Templo é destruído, promete reconstruí-lo. No AT, Deus sempre lhes promete bens,
liberdade e descendência, porque é o que eles esperavam.
Jesus promete algo muito diferente: “Vim para que
tenham vida e a tenham em abundância” Jo 10,10.
A esperança
cristã é chamada a “abrir horizonte” ao ser humano
contemporâneo. No meio desta nossa história, às vezes medíocre e insensata,
está sendo gestado o verdadeiro futuro
do ser humano.
Frente a uma “visão imediatista” da história, sem
meta e sem sentido algum, a esperança cristã
leva a sério todas as possibilidades latentes na realidade presente.
Precisamente porque quer ser
realista e lúcido, o cristão se aproxima da realidade, vendo-a como algo
inacabado e “em marcha”; não aceita as coisas “tal como são”, mas “tal
como deverão ser”.
Quem ama e espera (esperançar) o
futuro (“novos céus, nova terra”) não pode “conformar-se” com a
realidade tal como é hoje.
A esperança não tranquiliza, inquieta; introduz “contradição” com a
realidade; gera protesto; nos desperta da apatia e da indiferença próprias deste
tempo; nos desinstala.
Graças à esperança, avançamos;
graças à esperança, sonhamos, evoluímos. Isso porque, sem dúvida alguma, a
esperança é o motor de nossas vidas.
Para viver
com intensidade o tempo do Advento, é preciso seguir o Espírito, deixando-se
surpreender pelos novos rumos que Ele aponta, seduzir pelos novos horizontes
que Ele descortina, desafiar pelas novas provocações que Ele lança, a partir
da realidade histórica e dos novos sinais dos tempos.
Texto bíblico: Mc.
13,33-37
Na oração:
No Advento,
a vigilância se revela como atitude-chave. Os
Evangelhos repetem-na constantemente: “vigiai”, “estai alertas”, “vivei
despertos”. Não se trata de um chamado a mais; é o apelo por excelência.
Já se
passaram vinte séculos de cristianismo. Que foi feito deste apelo de Jesus?
Como vivemos as atitudes que Ele ativou nos seus seguidores? Continuamos
despertos? Mantém-se viva nossa fé ou foi se apagando na indiferença e na
mediocridade?
- Temos
sentido a necessidade de despertar e intensificar nossa relação com Jesus?
Quem, a não ser Ele, pode libertar nosso cristianismo da imobilidade, da
inércia, do peso do passado, da falta de criatividade? Quem poderá nos
contagiar com seu entusiasmo e alegria? Quem nos dará sua força criadora e sua
vitalidade?