“O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo...; é também como um comprador de pérolas preciosas” (Mt 13,44-45)
As
parábolas têm sua força na luz da proposta e não na agressividade do contraste.
São implicativas, tem valor universal, não precisam de um passo prévio de
preparação intelectual para poderem ser compreendi-das. São entendidas porque
são transparentes, pequenas, sem contornos sofisticados.
As
parábolas nos evangelhos despertam o dinamismo da fé para acolher a novidade do
Reino apresentada por Jesus. É na mesma fé que elas adquirem força para serem
propostas, compartilhadas e presenteadas.
As parábolas são parte essencial dos métodos
terapêuticos de Jesus. Ele cura por meio de histórias, cura usando palavras que
abrem o coração dos ouvintes para a própria verdade e para uma relação mais
sadia com o Pai. Com seus relatos, Jesus desperta e extrai o melhor e mais
nobre presente no interior de cada um; quem o escuta sente um novo movimento
que o faz sair de si e abrir-se às surpresas da vida.
Por isso, as parábolas apresentam
uma linguagem simples, comum, próxima. Para quem as escuta ou as lê, é preciso
alargar seus espaços interiores numa atitude de atenção acolhedora, de
encontro, de deixar-se envolver e provocar por elas, sem ter que forçar o texto
ou uma interpretação. As parábolas apresentam-se sempre como relatos abertos,
provocando diferentes reações, despertando e ampliando a vida.
Podemos, então, dizer que as
parábolas contadas por Jesus são “arriscadas”. Não pertencem à literatura de
consumo; ampliam a vida e a comprometem; pronunciá-las ou assumi-las como
estilo de vida, dá medo... Colocam-nos no fluxo do divino e precisamente por
isso tem um atrativo muito especial: são incontestáveis.
As parábolas do tesouro escondido ou da pérola procurada, presentes em
diferentes tradições sapienciais, constitui um convite a encontrar ou descobrir
aquilo que, mesmo sem saber, desejamos: o que realmente somos. Elas contêm várias
indicações valiosas: o tesouro e a pérola estão aí, o tempo todo; trata-se
simplesmente de descobri-los. Não são algo separado de nós, nem algo do qual
carecemos, mas justamente aquilo que somos. Quando os encontramos ou
descobrimos, tudo o mais começa a ser visto como algo secundário; e essa
descoberta se traduz em alegria perene.
Todo ser humano anseia
por esse tesouro e essa pérola. De fato, é essa aspiração que nos move, nos faz
iniciar a busca e percorrer diferentes caminhos, atraídos sempre por seu aroma
de plenitude.
No entanto, nessa busca
pode acontecer de tudo: nos distraímos e terminamos enredados; nos conformamos
com pequenas “guloseimas” ou nos entretemos com “brinquedos”, esquecendo o
tesouro real; calamos a voz do desejo profundo, abafando-nos com múltiplos
ruídos; dizemos a nós mesmos que a aspiração profunda é inventada e que é
necessário ser “práticos” e não acreditar em “contos” ilusórios...
E, mesmo no melhor dos
casos, quando a busca se apoia numa forte determinação, não é fácil superar a
armadilha que nos incita a buscar o tesouro ou a pérola em “algo” fora, longe
ou no futuro.
Há em todos nós o “bom odor” da plenitude.
Mas, nossa mente, identificada com nosso ego separado, nos faz crer que a
plenitude se encontra fora e aí começamos a correria que não conduz a nenhum
lugar.
As parábolas deste domingo nos recordam esta
inspiradora verdade: nós, em nossa verdadeira identidade, somos já o que
estamos buscando. Não é preciso correr para fora, porque onde temos de chegar é
no nosso eu mais profundo, na nossa essência, onde somos nós mesmos. Basta
pacificar a mente e, se tivermos paciência e perseverança nisso, o silêncio nos
mostrará o tesouro que desde sempre aspiramos. Quando isto acontece, a busca
será concluída: descobrimos o que sempre fomos e que nos permanecia oculto.
Só podemos encontrar o tesouro e a pérola dentro de nós
se descermos ao chão de nossa vida, ou mergulharmos nas profundezas de nossa
interioridade. É normal que nós nos surpreendamos frente a frente com um “eu” desconhecido, temido ou reprimido
há muito tempo.
O caminho para o nosso tesouro passa pelo diálogo com os
nossos instintos, com nossas paixões, com nossos problemas e fragilidades,
nossas angústias e nossas feridas, com tudo quanto grita dentro de nós e
consome nossa energia. A espiritualidade cristã nos mostra que exatamente em
nossas feridas nós desco-brimos o tesouro
do nosso verdadeiro “eu” escondido no fundo de nosso coração.
“Lá onde nós fomos feridos, onde nos quebramos,
aí nós também nos abrimos para Deus”
(H. Nouwen)
Se algo
nos deixa claro nas parábolas deste domingo é que a renúncia ou desprendimento
evangélico não é um meio para ter acesso ao Reino, mas consequência de tê-lo
encontrado. É o tesouro e a pérola que exigem e possibilitam a renúncia, uma
vez encontrado. Não o inverso. É muito curiosa esta íntima relação evangélica
entre a alegria e a perda. Uma alegria que nos mobiliza... e nos despoja.
“A alegria é o
primeiro efeito do amor e, portanto, da entrega... Pelo contrário, a tristeza é
um vício causado pelo desordenado amor de si mesmo, que não é um vício especial,
mas a raiz geral de todos eles”. (S. Tomás de Aquino).
A partir daqui se entende muito bem
a ligação direta entre alegria e entrega total, pois “cada um tanto se
aproveitará em todas as coisas espirituais, quanto sair de seu próprio amor,
querer e interesse” (S. Inácio).
Sempre e quando seja um sair que
nos adentra em nós mesmos, nos desaloja para poder viver “em casa”.
Talvez nos ajude a recuperar o
sentido da abnegação e o “custo” (vendeu tudo) como condição necessária para uma
vida evangélica. É o duplo movimento do “empobrecer-nos para sermos ricos”
(2Cor 8,9), para que o tesouro que nos habita seja o centro de nossa vida e não
o ego inflado e estéril.
E isso porque se trata de
descentrar-nos, de esvaziar o ego e converter o “eu” em um receptáculo cada vez
mais disponível para que Deus possa irromper e manifestar-se através dos nossos
melhores recursos.
Enfim,
podemos proclamar esta certeza: o tesouro e a pérola é o que “Deus é em
nós”. Não se trata de um conhecimento discursivo ou racional, mas de
uma experiência no mais profundo de nosso ser. Continuamos a investir na
descoberta de um Deus que está fora, que nos controla à distância e que nos
oferece falsas seguranças. Esse é um caminho equivocado que não conduz a lugar
nenhum.
O tesouro
é Deus mesmo presente em cada um de nós. Ele é a verdadeira realidade que
somos, e que são todas as demais criaturas. A identidade de todos os seres é
dada por essa presença que habita e ilumina tudo: “nos elementos dando o ser; nas plantas, a vida vegetativa;
nos animais, a vida sensitiva; nas pessoas, a vida intelectiva; do mesmo modo
em mim, dando-me o ser, o viver, o sentir e o entender”
(S. Inácio).
O que há de Deus em nós é o
fundamento de todos os valores. O Reino, que é Deus, está em nós. Essa presença
é o valor supremo. Quando as religiões esquecem isto, elas se convertem em
ideologias escravizantes. O tesouro, a pérola não representam grandes valores,
mas uma realidade que está para além de toda valoração. Aquele que encontra a
pérola preciosa não despreza as outras. Deus não se contrapõe a nenhum valor,
mas potencia o valor de tudo o que é bom, belo e verdadeiro.
Sabemos que o coração se enraíza
onde cremos ter o mais valioso de nossa vida, aquilo pelo qual faríamos
qualquer coisa. E a isso que valorizamos como um tesouro, não só lhe entregamos
o coração, senão que vivemos correndo atrás dele.
Texto bíblico: Mt 13,44-52
Na oração: Diante da presença de Deus, esteja
aberto ao
contato com a própria realidade interior, para
que ve- nha à superfície aquilo que o sustenta e dignifica o seu viver.
Dirija
seu olhar para o mais íntimo de si, onde nascem sentimentos e valores, decisões
e gestos... onde você é convidado a se alegrar com os rastros da Graça.
- Em que investe sua vida, seu tempo mais
importante, suas forças? Você busca o máximo que pode alcançar ou se conforma e
se instala nas migalhas de segurança e comodidade que se esvai e se escorre
como a água?
- Há uma sede existencial em seu interior que o
mantém em permanente “estado de busca”; há um “voz interior” que o move a
buscar o maior, o melhor, ativando todas as suas potencialidades?