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Tempos litúrgicos


“Se tu vês a caridade, vês a Trindade” (S. Agostinho)

“Deus amou tanto o mundo...” (Jo 3,16)

 

Com a festa da Santíssima Trindade chegamos ao cume do tempo litúrgico pascal. A revelação nos diz que nosso Deus não é solidão, mas comunhão de Pessoas: Pai-Filho-Espírito Santo.

A Trindade não é um problema numérico (três em um), mas um mistério de amor, de salvação e de vida.

Deus-Trindade é, portanto, a relacionalidade por excelência; total relacionalidade de cada uma das pessoas divinas com respeito às outras, de tal forma que se implicam e incluem reciprocamente sempre e em cada momento, sem que uma seja a outra.

Deus só existe como ser em relação. A grande novidade cristã é que a divindade só existe comunicada, partilhada. Deus é relação. Deus é só relação. Deus é só amor. “No princípio está a relação (G. Bachelard).

Deus é essencialmente relação; e essa relação, “num belo dia”, transbordando de vida,  transbordando de gratuidade, pôde abrir-se a nós para nos fazer existir, concedendo-nos o ser e convidando-nos a entrar no fluxo dessa mesma relação trinitária.

 

Jesus não pregou sobre a Trindade, mas abriu o caminho que conduz ao Pai e enviou seu Espírito.

A partir de sua própria experiência de Deus, Jesus convida seus seguidores a se relacionarem de maneira confiada com Deus Pai, a seguirem fielmente seus passos de Filho de Deus encarnado e a se deixarem guiar e alentar pelo Espírito Santo. Ele os ensina, assim, a se abrirem ao mistério santo de Deus.

Também os primeiros cristãos não elaboraram argumentos sobre a Trindade (nem Pedro, nem Paulo, nem os evangelhos, nem mesmo os chamados Padres apostólicos), mas todos falaram sem cessar do Pai, do Filho Jesus e do Espírito Santo

Só no final do séc. II e princípio do séc. III alguns teólogos audazes começaram a falar da Trindade e descobriram que esse nome era mais cômodo para referir-se, ao mesmo tempo, ao Pai, a Jesus e ao Espírito, de maneira que começaram a empregá-la com certa frequência.

A Trindade não é um dogma separado da Bíblia ou da Igreja; no centro da Bíblia e da vida cristã se encontra o mistério de Deus-Pai, que conhecemos por Jesus e compartilhamos pelo Espírito Santo, em sua união e diferenças. Esses Três, que são Um, em amor e vida, constituem o que, com palavra imperfeita, mas talvez imprescindível, chamamos Trindade, para confessar por ela que o Deus dos homens é dinamismo de vida e impulso de amor na mesma história dos homens. Entendida assim, a Trindade constitui, com a Encarnação, o centro do mistério cristão: por ela sentimos e sabemos que Deus é fonte inesgotável e comunhão criadora de amor que anima e sustenta a história dos homens.

 

Conta-se que, certa vez, um homem provocou S. Agostinho dizendo que não podia ver a Trindade. Este lhe respondeu: “Tu vês a Trindade quando vês a caridade” (De Trinitate VIII, 8,2). Esta resposta, tão fulgurante como esclarecedora, nos situa no coração do mistério de Amor que presidiu a Criação, centrou-se na Encarnação e alcançará sua plenitude na Ressurreição.

A partir desse Amor vivemos a fé e a comunhão trinitária como a expressão mais adequada da vida única, radiante, irradiadora, do Pai, do Filho e do Espírito Santo que, contemplando-se um ao outro, se revelam como fonte e origem de tudo o que existe. A criação inteira procede das entranhas amorosas das Três Pessoas divinas; não só isso, a Criação é também morada da Trindade; em tudo encontramos “marcas” da ação trinitária e, de maneira especial, onde a caridade é vivida.

Assim, à luz da afirmação de S. Agostinho, podemos sentir e “ver” a Presença da Trindade lá onde o amor se expande e se externaliza na prática da caridade.

Esta é a nossa credencial como seguidor(a) de Jesus: a vivência do amor, desse amor que contempla a vida e sente o pulsar da Trindade na beleza da criação e na dignidade de cada ser humano.

 

Portanto, o mistério da Trindade não é uma verdade a ser pensada, mas uma presença a ser vivida; presença que perpassa tudo e se faz visível em toda realidade; presença que ultrapassa tudo o que pensamos e refletimos sobre ela. Só quem tem olhos contemplativos vê as “marcas” da presença do Deus Uno e Trino em tudo e em todos.

É da essência da Trindade ser “amor em movimento”; por isso, onde há amor e caridade, aí está a Trindade; e só corações solidários são capazes de entrar no fluxo desse amor e adorar o Deus trinitário.

Sabemos que “caridade” provém de “cháris”= Graça. Caridade é Graça em ação, é amor incondicional, é dom gratuito, é favor concedido a alguém, é generosidade radical. A caridade é a visibilização da ação trinitária. O ser humano entra no movimento amoroso da Trindade quando sai de si e se revela presença solidária juntos aos mais necessitados; ali ele deixa transparecer o rosto amoroso da Trindade.

Aqui está a grandeza do ser humano, criado à imagem e semelhança do Deus Trindade. E é fácil intuir isso: sempre que sentimos o dinamismo de amar e ser amados, sempre que sabemos acolher e buscamos ser acolhidos, quando compartilhamos uma amizade que nos faz crescer, quando sabemos dar e receber vida..., estamos saboreando o “amor trinitário” de Deus. Esse amor que brota em nós tem n’Ele sua fonte.

Por isso, quem vive o amor a partir da Trindade, aprende a amar a quem não lhe pode corresponder, sabe doar sem esperar recompensa, é capaz de compadecer-se dos mais pobres e excluídos, pode entregar sua vida para construir um mundo mais amável e digno de Deus.

Nesse sentido, o melhor caminho para aproximar-nos do mistério da Trindade não são os tratados teológicos que falam dela, mas as experiências amorosas que compartilhamos na vida. Só encontramos e “vemos” a Trindade com o coração.

Quem é incapaz de dar e receber amor, quem não sabe compartilhar nem dialogar, quem só escuta a si mesmo, quem resiste relacionar-se com os outros, quem só busca seu próprio interesse, quem só deseja o

poder, a competição e o triunfo, não pode experimentar nada da Trindade amorosa.

 

Assim, possuímos uma vocação à comunhão, que é antes de tudo comunhão com o Pai. Essa comunhão se realiza em e por Cristo: Ele nos introduz na relação filial com o Pai e permite que possamos chegar a ser, mediante o Espírito Santo, filhos e filhas do Pai. Então, não somos simplesmente “ícone” da Trindade, mas criaturas cuja plenitude de vida consiste na participação da vida trinitária. Fomos criados “à imagem e semelhança de Deus”, e Deus é amor, comunhão, relação em si mesmo e na Trindade. Desta fonte nasce o sentido das relações mútuas entre os seres humanos.

O Pai está gerando continuamente o Filho dentro do nosso coração. E Pai e Filho deixam emergir o Espírito Santo na profundidade do nosso espírito. A Trindade habita nosso ser mais profundo. Deus está dentro. Somos como que o sacrário que acolhe Deus e, por isso, podemos louvar, festejar, porque somos o templo de Deus. É a Trindade que vem ao nosso encontro e faz de nosso interior sua morada, não cada uma das “pessoas” separadamente. Não estamos falando de “três em um”, mas de uma única realidade que é relação.

Santa Teresa d’Ávila, mestra da espiritualidade, afirma que dentro de cada um de nós, há uma morada secreta do amor divino. A espiritualidade consiste em caminhar no escuro e numa busca insistente, de aposento em aposento, de câmara em câmara do próprio coração, até atingir essa morada íntima de Deus em nós. Lá Ele nos espera. Nós O escutamos no despojamento de tudo o que possa nos distrair e dispersar da sua presença discreta. Só assim poderemos cantar e dançar para Ele o nosso amor.


Texto bíblico: Jo 3,16-18

 

Na oração: A oração é sempre uma experiência de comunhão. Ela nos abre a um Outro que é comunhão, partilha, diálogo, e só podemos ir a Ele se entramos nesse intercâmbio contínuo de amor.

É configurando-nos ao Filho, no Espírito, que a oração nos faz glorificar o Pai. É abrindo-nos a uma atitude filial, no seguimento de Jesus, que nos tornamos templos do Espírito, para a alegria do Pai.

- Entre no fluxo do “amor trinitário”; deixe o Espírito clamar em seu interior: “Abba, Pai”.

- Seja “transparência da Trindade” nos relacionamentos com as pessoas na sua vida cotidiana.