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Tempos litúrgicos


Santa Ruah: o sopro que gera vida

“...soprou sobre eles e disse: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,22) 

Pentecostes é hoje; é sempre! Não foi só naquele distante dia em que um grupo de discípulos e discípulas assustados(as) se sentiram fortes, encorajados(as), movidos(as) por um impulso tal que os levou a romper os espaços fechados e viver o movimento de “saída”. Pentecostes acontece em cada um de nós; não é pomba nem chama ardente e, talvez, não nos lança ao meio da multidão dando gritos. E, no entanto, o Espírito de Deus continua descendo sobre nós, envolvendo-nos em silêncio, seduzindo-nos sem imposições, sussurrando-nos palavras de amor infinito e ensinando-nos a olhar o mundo e a vida com novos olhos.

Somos casa do Espírito!

O relato do evangelho deste domingo nos oferece outra perspectiva do encontro do Ressuscitado com seus discípulos: seus olhos viram as feridas, mas seu coração experimentou que Jesus está vivo. E esta experiência os encheu de alegria. O Espírito os capacitou a ter um novo olhar, muito mais profundo.

O Espírito do Ressuscitado é o gerador de novos equilíbrios, rompedor de todos os medos; por isso, Ele se revela sempre desconcertante, surpreendente, interpelante. Mas é assim que o Espírito Santo nos abre a uma nova sabedoria, a um novo entendimento, a uma nova gestualidade, a uma nova vida. 

O Espírito é o sopro que vivifica, anima, restaura e congrega. Somos “filhos(as) do Vento”. O vento impetuoso em Pentecostes faz com que todos nos sintamos cheios de novo alento, de novo sopro de vida. Em outras palavras, sentimo-nos animados” (= com alma, espírito).

Nosso tempo pede que sejamos homens e mulheres do Vento, que ajudam o mundo a respirar e sentir a vida palpitar; que buscam, na terra, viver o sonho do Reino; que alimentam as chamas da esperança nos corações sonhadores; que se reconhecem humildes ante a misericórdia e o infinito de Deus; que acreditam na força dos pequenos e dos gestos simples; que vibram com as conquistas justas e que se compadecem da miséria do humano; que cuidam de tudo e de todos com ternura e carinho.

O vendaval em Pentecostes varreu o medo e a desconfiança. Todos se encheram de uma força e de um dinamismo jamais experimentado, que fez mover pessoas, corações e mentes. Sentiram-se como que envolvidos pelo Espírito, que os permitiu falar uma linguagem que todos entendiam.

Tal experiência provoca um movimento que rompe fronteiras e barreiras. Assim, o Espírito faz superar o fundamentalismo, a hipocrisia e a apatia. Não há nada de mágico; simplesmente, as pessoas se deixam mover pelo Espírito, que habita o universo e os corações, e se deixam levar pelo sopro divino. 

Para captar o sentido profundo da presença e ação do Espírito, em nós e na criação, é preciso retornar à expressão hebraica “Ruah”, muito mais densa de sentido e essência. Foi o que fez o Ressuscitado ao “soprar sua Ruah” sobre os discípulos medrosos e fechados.

Já no relato do Gênesis encontramos o primeiro alento divino que deu vida ao barro inerte.

Com linguagem atual podemos dizer que a Ruah nos faz a “respiração boca a boca”, nos devolve o fôlego quando sentimos que a vida nos escapa, quando estamos desalentados, angustiados...

A “Ruah” é dinamismo, vida, relação, comunhão divina. É alento, vento, água. É unguento, é consolo, é companhia. “Ruah” é invenção, é fonte de criatividade, de autêntica novidade. É fonte de novas possibilidades no mundo, energia inaugural de novas auroras.

É a energia materna de Deus que aquece o coração da Criação, e que tudo sustenta. 

Detalhemos as características da “Ruah” do Ressuscitado:

- Ruah é a ação (ou a presença) de Deus que vitaliza o ser do mundo e de uma forma peculiar a história da humanidade. É a expansão de amor do Deus que, ao atuar sem cessar, faz com que a vida nasça e que os seres humanos entrem no mesmo fluxo desse amor.

- Ruah é a profundidade mesma de vida dos seres humanos no mundo. Ela sustenta o cosmos e a história, e se explicita em cada um de forma constante, ilimitada, sempre forte.

- Ruah é força de esperança, de maneira que ultrapassa as atuais condições da vida. Encontramo-nos em Deus e abertos ao futuro; nossa verdadeira identidade não se apoia naquilo que agora somos, mas, antes, no mistério vitalizante do Espírito divino.

- A Santa Ruah não vem para ditar um catálogo de normas, mas para revelar o sentido profundo da nossa vida. Abundante, generosa, sem cor, sem restrições ou fronteiras, assim é o seu dom. 

Portanto, celebrar Pentecostes não consiste só em recordar uma experiência de dois mil anos atrás; é tomar consciência que nossa vida – pessoal e comunitária – pode mudar com a mesma intensidade que mudou a vida daquele grupo de homens e mulheres, que estavam cheios de temor.

Que nos move na celebração de Pentecostes? Olhemos em nosso interior tudo aquilo que é obstáculo para crescer como discípulo(a). Coloquemos nomes: medos, pré-juizos, petrificação, rotina, superficialidade, indi-ferença, ódio, maldade... Estes obstáculos são como travas que nos impedem caminhar como discípulos(as).

É a Ruah que nos purifica a fundo, estabelecendo o “cosmos” em meio ao nosso “caos” interior; é Ela que deixa a descoberto as vivências não integradas, as experiências não pacificadas, as feridas não cicatrizadas...

Existem partes de nós mesmos, talvez alguns dos nossos membros, que estão fechados ao próprio movimento da vida, que estão fechados ao Sopro do Vivente. Cada um de nós, de modo bem particular e pessoal, tem um espaço de abertura e um espaço de fechamento. Qual deles prevalece? 

A missão da “Ruah” não é ajudar a nos “livrar” daquilo que imaginamos que torna sombria nossa existência e nos atemoriza (feridas, rejeições, ressentimentos...), senão que sua ação nos conduz, suavemente, a abraçar tudo e tudo recolher para que não se perca nem um só dos fragmentos da vida e, assim, com imensa gratidão, poder saciar-nos de seus dons.

Sua presença não se limita à exterioridade, mas é como a água que penetra na terra para que ela floresça.

Seu trabalho de transformação nos ensina a fazer amizade com as dimensões não integradas de nossa vida, da realidade, dos outros, das quais nos tínhamos distanciado, das quais nos sentíamos separados. Ela nos leva a descalçar-nos, porque já não temos medo de que a terra que pisamos danifique nossos pés. Sua discreta presença nos move a acolher em nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas aquelas situações e forças que desintegram a vida.

A “Ruah” é a grande multiplicadora do melhor de cada um, a portadora das “células-tronco” de nossa vida interior. Ela nos faz forte em nossa fraqueza e nos faz amadurecer quanto mais nos humanizamos. Seu modo de nos proteger é abrindo-nos; seu modo de nos defender é desarmando-nos e quebrando nossa rigidez. 

Falar da “Ruah” e celebrar Pentecostes é celebrar a festa, a vida. Ela é o Sopro último, o Dinamismo vital que pulsa em todas as expressões de vida que podemos ver e que nelas se manifesta.

Não há nada onde não possamos percebê-la, nada que não nos fale d’Ela.

Ela é o “ambiente vital de realização do ser humano”, porque n’Ela a vida adquire profundidade, consistência..., dando a todos, firmeza à vontade, equilíbrio aos sentimentos e iluminação à mente.

Viver uma “vida segundo a Ruah” é deixar-nos recriar, deixar-nos mover, transformar, alargar. Soltar

as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.

De imediato, nos sentiremos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver no Vento”. 

Texto bíblico: Jo 19,19-23 

Na oração: “Ruah” evoca o sopro de ar fresco que trazia nuvens e chuva, ou seja, a benção. Somos conscientes, cotidianamente, desta benção? Somos o canal de benção para outras pessoas?

- O que o(a) desalenta diariamente? A sensação de fragi-lidade e impotência? As notícias sobre a situação mundial? A resistência diante de uma mudança, o medo do futuro? A angústia diante dos conflitos, divisões e ódios que imperam na realidade social?

- Entre no fluxo do alento da “Ruah” de Deus; alargue o espaço interior para que Ela transite com liberdade, levando o “ar renovado” às dimensões mais reprimidas e esquecidas de sua vida.