“Os discípulos aproximaram-se, e Jesus
começou a ensiná-los: Bem-aventurados...” (Mt 5,1)
A festa deste domingo nos diante de uma
infinidade de santos e santas anônimos(as), esses(as) que não fo-ram
oficialmente canonizados(as), nem estão nos calendários litúrgicos, mas cujas
vidas deixaram transpare-cer a santidade
de Deus e viveram, com radicalidade, as bem-aventuranças proclamadas por
Jesus; ao mesmo tempo, esta festa desperta nossa sensibilidade para perceber
que estamos continuamente rodeados de muitos(as) santos(as), homens e mulheres
que, no escondimento do cotidiano, revelam uma presença aberta e comprometida,
inspirada e mobilizadora; uma vida carregada de fidelidade e de alegria
evangélica.
Que tem todos eles(elas) em comum?
Que suas vidas apontam para Deus de maneira clara; aquilo que vivem, que fazem
e que dizem manifesta que são conduzidos(as) pelo Espírito de Deus. E, por
isso, quando os(as) vemos ou encontramos com eles(as), intuímos que é possível
o amor, a misericórdia, a compaixão, a justiça, a bondade, a mansidão, a pureza
de coração...
Em que se diferenciam? Em tudo o
mais: seguramente há jovens e anciãos, instruídos e analfabetos, mulhe-res e
homens; haverá tímidos e extrovertidos, hiperativos e calmos... Uns vivem o
evangelho no contato constante com as pessoas; há outros que consagram suas
vidas à ciência, na solidão de um laboratório ou de uma biblioteca. Dançam,
rezam, abraçam, choram, amam, se equivocam, acertam..., porque, afinal de contas,
são todos humanos. E ser santo(a) é ser humano por excelência.
A santidade não é a busca de um
perfeccionismo auto-centrado, nem um cumprimento virtuoso de leis para receber
medalhas de mérito. É uma maneira original de viver o amor: radical, possível, definitiva.
A
santidade não é buscada para que cada um possa sentir-se orgulhoso; é vivida
porque é uma forma de melhorar o mundo, a própria vida e a dos outros.
Os(as)
santos(as), de ontem e de hoje, nos confirmam que todos podem ser transparência
da santidade de Deus neste mundo. Certamente, muito perto de nós existe alguém
que é janela aberta que aponta para essa direção. Não há santos(as) de primeira
grandeza e outros de segunda, mas uma só santidade que se revela e se expressa
na comunhão de todos.
S. Teresa D’Ávila afirmava que a santidade
não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo(a)
é ser inteiro(a), é ser simples, é ser transparente, é ser original.
Nossa vocação é a santidade da
Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além
de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
A santidade
é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição
de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo
Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Casa Comum.
O evangelho indicado para esta festa nos revela
que Jesus, no alto da Montanha, mostrou o grande caminho para nos conectar com
a santidade de Deus: as bem-aventuranças.
Nelas, Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade
totalmente re-criada é a força expansiva do amor e da misericórdia,
cimen-tadas no comum denominador da humildade.
Só entrando na dinâmica da transcendência
podemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Muitas vezes, a Igreja se
esqueceu que ela deve estar a serviço de um projeto de felicidade, e acabou se
convertendo num rebanho de “sofredores” (“neste vale de lágrimas”), sob a guia
de “experts” pastores da dor, do sacrifício, do medo e do juízo.
Mas, como cristãos, somos
seguidores(as) d’Aquele que foi um “expert” na felicidade. Por isso, é chegado
o momento de recuperar o evangelho da felicidade, na linha
das bem-aventuranças.
O Deus que Jesus anunciou sempre
esteve comprometido com a vida plena dos seus filhos e filhas, oferecendo um
caminho de felicidade para todos, começando pelos pobres. É um Deus que ama os
pequenos e perdidos, assumindo com e para a humanidade um projeto de felicidade
e vida plena.
Nesta festa de “Todos os Santos e Santas”, é inspirador re-visitar as
bem-aventuranças: elas nos desper-tam, nos des-velam e, inclusive, nos
inquietam, porque, se as assumimos como estilo de vida, elas nos desinstalam e
nos ajudam a compreender a vida de uma maneira diferente. Com o impacto das
bem-aventu-ranças em nosso coração, deixam de estar na primeira linha a
violência, o ódio, o poder, a vaidade, a intolerância, o negacionismo..., que
ficam substituídos pela paz, solidariedade, bondade, humildade, justiça...
Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, fizeram
das bem-aventuranças o centro e a pauta de seu viver; todos(as) eles(as)
colocaram à frente de suas vidas não o Decálogo escrito em tábuas de pedra, mas
as bem-aventuranças, escritas em seus corações. Elas já estão presentes no mais
profundo de todos os seres humanos; o que Jesus fez ao proclamá-las foi
des-velar o que é mais nobre e mais humano em cada pessoa.
O(a) santo(a) é, de certa forma,
um(a) especialista na arte, muitas vezes árdua, de “transgredir”, de liberar,
de abrir os espaços ocupados pelas certezas efêmeras, para dar lugar à vida do
Espírito. É um(a) profeta(tisa) do retorno ao essencial, um(a) espeleólogo(a)
das profundezas do ser humano, na busca do que realmente importa. E essa
capacidade de ir mais longe permite-lhe colher as sementes da eternidade já no
“chão da vida”, de viver com o coração projetado para a “terra prometida” da
plenitude. Imerso(a) no presente, sim, mas sem se deixar sobrecarregar, sabendo
que cada um é parte do mundo, sem ser o seu centro.
Sua presença contagia a alegria do Evangelho pois só ele(ela)
é capaz de remover obstáculos que impedem o humor de viver como
ressuscitados(as).
Não é coincidência que
"humildade" e "humor" têm uma origem comum, ambos derivam
de "húmus", terra.
A alegria vincula-se ao estado de
plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao conten-tamento,
à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados
os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.
“O(a) santo(a)
é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina
os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria
no Espírito Santo’” Rom.
14,17) " (Papa Francisco – GE.
n. 122)
Os
Evangelhos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças
são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo
Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”,
sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.
Diante dos
prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de
alegria no Espírito Santo. Ele nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para
nós, e que a salvação definitiva é “entrar
na alegria do seu Senhor”
(Mt
25,21).
Portanto, o
modo de proceder do(a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do
próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da
Misericórdia, da Compaixão...
Texto bíblico: Mt 5,1-12
Na oração: Olhemos, contemplemos, sintamos,
observemos, deixemo-nos
conduzir pela santidade do Espírito.
Descobriremos as paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriríamos
por nós mesmos; descobriremos, sobretudo, que cada um(a) de nós é um(a) “santo
dos Santos”, um sacrário da santidade de Deus. O “santo dos santos” é o
coração mesmo de cada pessoa e a santidade de Deus se identifica com a vida de
cada um(a).
-
Sua presença junto às pessoas do seu cotidiano deixa transparecer a “santidade”
de Deus?
- Contemplar saboreando o significado de cada uma das bem-aventuranças: em que medida elas se visibilizam no seu dia-a-dia? Há algo petrificado em seu interior que trava o fluxo das bem-aventuranças?