“Amarás o Senhor teu Deus... amaras o
teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12,30-31)
Este é o contexto do
evangelho deste domingo: Jesus já está em Jerusalém há alguns dias; realizou a
purificação do tempo, discutiu com os chefes dos sacerdotes, mestres da lei e
anciãos sobre sua autoridade para fazer tais coisas; com os fariseus e
herodianos discutiu sobre o pagamento do tributo a César; com os saduceus
discutiu sobre a ressurreição...
Nesse
ambiente marcado por tantos conflitos, um “mestre da lei” se aproxima de Jesus;
não demonstra nenhuma agressividade e nem lhe estende uma armadilha, mas vive
uma angústia existencial, marcada por um forte legalismo. Sua vida está
fundamentada num emaranhado de leis e normas que lhe determinam como comportar-se
em cada circunstância, sem dar margem à criatividade e ao desejo de abrir-se ao
novo. Do seu coração brota uma pergunta decisiva: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” Qual é o mais
importante para acertar na vida? Onde centrar a vida para livrar-se do peso das
exigências da lei?
A pergunta do mestre
da lei tem sentido porque na Torá encontravam-se 613 preceitos. Para muitos
rabinos todos os mandamentos tinham a mesma importância, porque procediam de
Deus. Para alguns, o mandamen-to mais importante era o cumprimento do sábado.
Para outros, o amor a Deus era o primeiro.
Jesus entende muito
bem o que sente aquele homem que dele se aproxima. Quando na religião vão se
acumulando normas e preceitos, costumes e ritos, doutrinas e dogmas, é fácil
viver dispersos, sem saber exatamente que é o fundamental para orientar a vida
de maneira sadia.
Tanto naquele tempo
como hoje somos sufocados por uma abundância de leis, tanto religiosas como
civis. No fundo, estão sobrando leis, mas está faltando o amor. O amor não cabe nas leis, só cabe no coração. Quem ama não
precisa de leis.
A novidade da
resposta de Jesus está no fato de que o mestre da lei lhe perguntou pelo
mandamento principal (“amarás o Senhor teu
Deus...”), mas Ele acrescenta um segundo, tão
importante como o primeiro: “Amarás o teu
próximo como a ti mesmo”. Ambos mandamentos
estão no mesmo nível, devem ir sempre unidos; Jesus faz dos dois mandamentos um
só. Ele não aceita que se possa chegar a Deus por um caminho individual e
intimista, esquecendo o próximo. Deus e o próximo não são magnitudes
separáveis. Por isso, tampouco se pode dizer que o amor a Deus é mais
importante que o amor ao próximo.
Diante da pergunta
do mestre da lei pelo mandamento mais importante (no singular), Jesus responde
dizendo que são dois (no plural). E não há mandamento maior que eles.
A
resposta de Jesus aponta para os dois eixos centrais na vida dos seus
seguidores: Deus e o próximo; ambos eixos se exigem
mutuamente, a ponto de um levar ao outro, e a ausência de um provoca a ausência
do outro. Quem está sintonizado em Deus, está necessariamente aberto ao amor e
à solidariedade; e quem está centrado no amor ao próximo está aberto à iniciativa
e graça de Deus.
O(a) seguidor de Jesus não se
caracteriza por pertencer a uma determinada religião, nem por doutrinas, nem
ritos, nem normas morais... mas por viver no “fluxo do amor” que tem
sua fonte no coração do Pai.
O mandamento do amor não é
apresentado como uma lei que torna nossa vida dura e pesada, mas uma resposta
ao que Deus é em cada um de nós, e que em Jesus se manifestou de maneira
contundente. Nosso amor será “um amor que responde a seu Amor”.
O Amor que é
Deus, temos de descobri-lo dentro de nós, como uma realidade que está unida
intimamente ao nosso ser. Por isso, só há um mandamento: manifestar esse amor
que é Deus, em nossas relações com os outros; o amor é o divino
germinando nos meandros do humano. O amor é a realidade que nos faz mais
humanos.
Ser seguidor(a) de Jesus,
portanto, é uma questão de amor. Amar como Ele é transformar-se
n’Ele.
O seguimento de Jesus nos convida
a esta liberdade que se encontra na palavra “Ágape”, o amor da
superabundância, o amor de gratuidade, o amor que transborda, que nada pede em
troca. Amar sem ter nada de particular para amar. Amar não a partir de nossa carência, mas amar
a partir de nossa plenitude. Amar não somente a partir de nossa sede, mas amar
a partir de nossa fonte que corre.
Só o “ágape”
expressa o amor sem mistura de interesse pessoal. Seria um puro dom
de si mesmo, só possível em Deus. Deus não é um Ser que ama, é o Amor. N’Ele,
o Amor é sua essência; se Deus deixasse de amar um só instante, deixaria
de existir. Não podemos esperar de Deus “amostras pontuais de amor”, porque não
pode deixar de demonstrar o amor um só instante.
Ágape é o amor divino. Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o
grau mais elevado do dom de si mesmo.
Estas são algumas características
do ágape cristão: é um amor espontâneo e gratuito, sem motivo,
sem interesse, até mesmo sem
justificação, oblativo, expansivo... o puro amor.
O amor
(ágape) impregna o ser humano. “Afeta a totalidade humana; roça a
sensibilidade, aloja-se na medula dos ossos, pulsa nos batimentos cardíacos,
arfa na respiração, circula pelo sangue, aquele o pensamento, rola pelos braços,
agita as mãos, baila na consciência, escorre no olhar, sonoriza-se na palavra,
recolhe-se no silêncio, peregrina nos passos, oculta-se no inconsciente,
murmura na oração...”
(Juvenal Arduini). O
Amor é onipresença. “É
um estado de ser”
(R. May). O
amor é a
habitação do ser humano. “O amor jamais acabará” (S. Paulo).
O amor é esvaziar-se do
“ego” dentro de si mesmo, para que haja lugar para o outro. O amor tem
um rosto.
Assim como Deus,
que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar mais lugar, para não invadir,
para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de liberdade...
“Amar
é encontrar sua riqueza fora de si” (Alain).
Para o poeta Rilke, o amor é
constituído por “duas
humanidades que se inclinam uma diante da outra”.
Amor como dom gratuito
de si mesmo. Não é motivado pelo valor do outro, isto é, pela recompensa que os
gestos de amizade podem trazer. Com efeito, neste caso, não se ama o outro
porque ele é bom (como na amizade verdadeira), mas para para que seja bom,
já que o amor quer o bem do amado.
Tal como a água de
um rio escavando seu leito profundo, o amor é a força que nos escava,
que alarga e aumenta nossa capacidade de irmos para além de nós mesmos. Uma das
maiores razões para o amor ser uma experiência de expansão se deve à sensação
de imortalidade e eternidade que nos proporciona.
O amor
carrega em si a marca da eternidade. Quem ama vê o tempo se ampliar e a vida
ganhar mais sentido. Alguns dizem que há lugares de nós mesmos que só passam a
existir após o sofrimento ter penetrado ali. Há lugares em nosso interior que
não existem enquanto o amor não tiver penetrado.
Texto
bíblico: Mc
12,28-34
Na
oração:
- entoar um hino de
louvor e gratidão a Deus
pelo Seu “amor em excesso” que se revela
no cotidiano da vida;
-
ter sempre presente na memória que
fomos criados para viver em relação de amor e solidariedade com todos;
- considere que
toda a Criação saiu das mãos do Criador como presente especial e gratuito, como uma men-
sagem de
Amor a cada um de nós.