"Senhor, aumenta nossa fé"(Lc 17,5)
Os relatos evangélicos
nos oferecem a possibilidade de conhecer o “caminho” aberto por Jesus. É o que
revela a mensagem do evangelho deste domingo, a partir do pedido dos apóstolos:
“aumenta nossa fé!”.
Jesus não
responde diretamente, pois quer dar a entender que a petição não está bem
formulada. Não se trata de quantidade, mas de autenticidade. Jesus não lhes
podia aumentar a fé, por mínima que fosse. A fé não pode ser aumentada a partir
de fora; ela deve crescer a partir de dentro, como o grão de mostarda.
A fé é uma
vivência de Deus; por isso, não tem nada que ver com a quantidade. Efetivamente,
podemos dizer que a fé é um dom de Deus, mas um dom que já foi dado a todos; à
medida que a pessoa entra em sintonia com a presença de Deus em tudo e em
todos, sua fé se expande e amadurece, ativando todas suas potencialidades
humanas e abrindo-a a um compromisso de vida.
Precisamos revisar nosso modo de
entender e viver a fé cristã, muitas vezes, passiva e estática, infantil e
imatura. A fé não é “algo” que uns tem e outros não. A fé é uma vida que se desperta,
cresce, se expande. Segundo S. Paulo, se cremos em Jesus Cristo “nosso interior
vai se renovando de dia em dia” (2Cor. 4,16). A fé viva e operante amadurece no coração de
quem vive como discípulo(a) e seguidor(a) de Jesus.
Nesse sentido, a imagem da amoreira
transplantada no mar está nos dizendo que toda a força de Deus já está presente
em cada um de nós. Aquele que tem confiança em Deus, poderá expandir toda essa
energia.
A fé não é um ato, nem uma série de
atos, mas uma atitude pessoal fundamental e total que imprime uma direção
definitiva à existência. Confiar naquilo que realmente somos nos dá uma
liberdade de movimento para desatar todas as nossas possibilidades humanas.
Sabemos que Jesus
desencadeou um movimento profético em favor da vida, mobilizando seguidores(as)
a quem confiou a missão de anunciar e promover o projeto do Reino de Deus. Por
isso, o mais importante para reavivar a fé cristã é ativar a decisão de viver
como seguidores(as) seus(suas).
Nesta
perspectiva, o critério primeiro e a chave decisiva para entender e viver a fé
cristã é seguir Jesus Cristo. Quem o segue vai descobrindo o mistério que se
revela n’Ele, situa-se na perspectiva correta para entender Sua mensagem e vai
aprendendo a trabalhar a serviço do Reino de Deus. O seguimento constitui o
núcleo, o eixo e a força que permite a uma comunidade cristã expandir sua fé em
Jesus Cristo.
Por isso, mais que ter fé em Jesus, o
decisivo é “viver a fé de Jesus”; seguir Jesus é a opção primeira que há de
fazer um cristão. Esta decisão muda tudo. É começar a viver, de maneira nova e
criativa, a adesão a Jesus e a pertença à sua comunidade. Encontrar, por fim, o
caminho, a verdade, o sentido, a razão do viver cotidiano.
Concretamente, viver a “fé de Jesus é
crer no que Ele acreditou, dar importância ao que Ele dava, interessar-nos por
aquilo que Ele se interessou, defender a causa que Ele defendeu, olhar as pessoas
como Ele as olhava, aproximar-nos daqueles que sofrem como Ele se aproximava,
sofrer por aquilo que Ele sofria, confiar no Pai como Ele confiava,
enfrentarmos a vida e a morte com a esperança com a qual Ele enfrentou.
No seguimento, vamos buscando uma
maneira criativa de viver hoje o que Jesus viveu no seu tempo.
Jesus,
narrado nos evangelhos, nos ensina a viver a fé, não por obrigação, mas por
atração. Faz-nos viver a vida cristã, não como um dever, mas como discípulos(as)
e seguidores(as), seduzidos(as) por Ele. No encontro com seu Evangelho,
aprendemos seu estilo de viver e descobrimos formas mais humanas e evangélicas
de pensar, viver, celebrar e contagiar nossa fé.
Parece uma
afirmação óbvia: ser cristão é ser seguidor de uma Pessoa, Jesus Cristo. No
entanto, grande parte dos cristãos estão mais preocupados em seguir uma
doutrina, uma religião, ou centrar a vida na prática fundamentalista de leis ou
normas morais. Muitos buscam mais uma religião que dá segurança e não o Evangelho
que inquieta e desinstala.
Ter fé é, sobretudo, viver de acordo
com os valores segundo os quais vivia Jesus. Uma primeira afirmação importante:
vida. A fé é uma vida, uma relação pessoal que nos faz caminhar para aquela
expressão feliz de S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em
mim” (Gal 2,20).
Um caminho, durante o qual vamos
vivendo uma relação pessoal e um progressivo crescimento. A fé, portanto, é
vida e, como tal, tem todas as características da vida, com um suplemento a
mais: é vida aberta à vida eterna, à imortalidade; vida que se inspira no modo
de viver de Jesus: vida ablativa, inspiradora, comprometida em favor da vida.
O seguimento
exige uma dinâmica de movimento. E seguimento não é questão de razão (doutrina)
mas de paixão, sedução, afeto (coração). Seguir Jesus significa viver a aventura
da fé: fazer caminho com Ele, identificar-se cada vez mais com Ele, revestir-se
do Seu estilo de vida.
Infelizmente,
tal como é vivida hoje por muitos, a fé cristã não suscita “seguidores”, mas só
adeptos de uma religião. Não gera “discípulos(as)” que, identificados(as) com
seu projeto, se entregam a abrir caminhos ao Reino de Deus, mas membros de uma
instituição que cumprem melhor ou pior suas obrigações religiosas. Muitos deles
correm o risco de não conhecer nunca a experiência mais originária e
apaixonante: o encontro pessoal com Jesus. Na realidade, nunca tomaram a
decisão firme de segui-lo.
A maioria dos cristãos não querem
amadurecer na fé por medo das exigências que isso implica. Alguns se instalam
interiormente: já não crescem, não se deixam questionar pelo Evangelho; não
creem em sua própria conversão, não se arriscam em aproximar-se de Jesus.
Outros vivem sua fé de maneira
rotineira e repetitiva: com isso, a oração se faz fórmula, o evangelho torna-se
letra morta, a Igreja se transforma em “ong”, a autoridade se faz poder, a
missão se reduz a propaganda, o culto vira ritualismo, a ação moral se revela
ação de escravos e a fé viva na pessoa de Jesus vai se apagando.
Finalmente, a
parábola do empregado cuja única obrigação é fazer o que lhe fora pedido, sem
mérito algum, está na linha da crítica de Jesus aos fariseus por confiarem no
cumprimento da Lei como único caminho de salvação. Trata-se do eterno problema
da fé ou das obras.
Quantos
problemas teríamos evitado se não tivéssemos esquecido o evangelho! Nem Deus
tem que aumentar nossa fé, nem somos “servos inúteis”. Descobrir o que
realmente somos seria a chave para uma verdadeira confiança em Deus, na vida,
na pessoa humana.
Nesse sentido, “somos servidores e nada
mais, fizemos o que devíamos fazer”. A expressão “somos servos inúteis”, revela
uma tradução muito limitada. Se o servo fosse inútil, o senhor não lhe pediria
serviço algum. Pelo contrário, ele é extremamente útil. Seu trabalho tem muito
valor aos olhos do senhor. Mas o servidor não é nenhuma personalidade de
destaque. Ele não está acima do senhor, Ele faz seu trabalho; é servidor, e
nada mais. Mas serve.
Servindo com simplicidade, não em
função de compensações egoístas, mas em função da retidão, da fidelidade e da
gratuidade, seremos indispensáveis para o projeto de Deus.
Texto bíblico: Lc 17,5-10
Na oração:
na vivência cristã, sua fé se resume a algumas “práticas
religiosas” ou é expressão de uma profunda identificação com o modo de ser e de
agir de Jesus?
- sua vida deixa transparecer a “fé de Jesus”? – sintonia
com o Pai, serviço humilde aos outros, empenho em favor da vida, compromisso
com os mais pobres e excluídos...
Pe. Adroaldo Palaoro, sj
Foto: https://bit.ly/2mjoz0b