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Iconografias


A beleza é a manifestação de Deus em nós

Claudio Pastro

Para Pastro, a beleza é “a manifestação de Deus em nós “, revelada por meio da contemplação. O artista ainda ressalta que a beleza e as artes estão em crise: “não há mais discernimento entre o belo e o feio, pois a determinante é o consumismo, se vende ou não".

Com mais de 35 anos de dedicação à arte sacra e mais de 250 obras espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, o artista fala como é possível estar mais próximo e sentir a presença de Deus através da beleza e da arte.

Fiel ao cristianismo, ele afirma que a religião está em crise e que a sociedade está se afastando do sagrado. Apesar de manter uma posição crítica ao clero, as diretrizes de Cláudio Pastro quanto à elaboração, construção e utilização do espaço sagrado costumam ser seguidas. A autoridade que tem no assunto é reconhecida dentro e fora da Igreja.

Para você, como se define a beleza?

A beleza é essência. Na tradição cristã, como linguagem para todas as religiões, a beleza é a manifestação do outro, de Deus entre nós. As demais belezas são criadas pelo homem, são purpurinas. Hoje o mundo vive poluído de palavras, reuniões, projetos que definem projetos. Não precisa disso. A linguagem do sagrado revela-se por meio do acolhimento, da contemplação da beleza.

O homem é capaz de desenvolver essa beleza interior?

Sim. Ele também pode criar a beleza divina quanto mais se aproximar do divino. Mas isso exige contemplação, oração. É preciso estar muito atento a Cristo. O livro O Deus da Beleza quer lembrar aos cristãos que se não há beleza, não há sinal de esperança naquilo que somos e fazemos. Também mostra que o espaço sagrado deve ser organizado, harmônico e limpo.

Indo a um espaço sagrado como as Igrejas, o homem parece estar sempre em busca de algo. Você concorda?

Para aqueles que estão em contato com a beleza divina não precisa ir em busca de nada. Nós já temos a certeza daquilo que somos desde batizados, que é algo grandioso. Deus não nos tranquiliza ou nos coloca para cima, nós que precisamos contemplá-lo e interiorizá-lo, questionando nossos atos pela fé.

Como é sua experiência do sagrado por meio da beleza?

Não posso viver senão da minha fé e tenho isso como um ponto importante. Mas, a fé cresce em nós e nos questiona, sem nos satisfazer e ao nos questionar, ela nos molda, faz compreender a beleza. Sempre fui cristão católico e vivo com seriedade a minha arte como trabalho, manifestação e expressão, mas em tudo o que faço, tenho a Palavra de Deus como alimento. Hoje vemos que as pessoas fazem muitas coisas e depois buscam Deus para agradecer. Quando eu vou para o meu ateliê, meus joelhos já estão cansados de tanto me alimentar da Palavra e contemplar a beleza divina. E assim que me oriento.

A sua arte também pode ser considerada a tradução da sua fé?

Não faço santinho e nem deixo me guiar pelo devocionismo. Não concordo com isso. Toda imagem, toda forma, depende de um conteúdo que as mantém. No meu trabalho é a Palavra de Deus que se traduz na arte. É a minha fé vivida e isso é essencial. Construir uma igreja é imensamente superior à construção de uma casa, porque se trata das coisas de Deus. Eu percebo que se contratam arquitetos com uma linguagem material e o Cristo é o último a entrar.

Além de beleza, arte é outra palavra muito citada no livro. Elas se associam?

A palavra arte vem do Latim, significa serviço e por isso gosto muito de usá-la. Hoje, tornou-se comum ir a uma loja e comprar arte por metro. Isso não é arte! Ela só o é em sua essência, quando se está a serviço de uma grande nobreza, quando se torna criativa. Um bom exemplo são os nossos índios que não compram ou vendem arte em lojas, mas a fazem para celebrar um momento grandioso da vida, como a iniciação de alguém ou a morte de forma gratuita. A arte precisa estar a serviço da beleza.

A Igreja tem trabalhado a Palavra de Deus desta forma?

Ela já fez isso, mas não faz mais, infelizmente. Deixou de ser uma referência para o mundo, porque não manifesta em sua postura a beleza que o mundo carece. Ao contrário, a Igreja tem incorporado em suas atividades e celebrações coisas do mundo com as quais eu não concordo.

Com o que você não concorda?

A Igreja tem copiado os astros que dão shows na televisão como maneira de atrair multidões. É tudo uma palhaçada e muito mal feita. Utiliza-se de recursos tecnológicos, copiando o que o mundo já faz, respondendo a apelos de que se não for assim ninguém escuta. Ora, a Igreja não foi feita para se escutar, nem para falar, mas sim para o silêncio, para viver a contemplação e a fé. É um espaço onde se celebra o mistério divino que passa pela Eucaristia e pela oração dos salmos. No passado, as grandes catedrais recebiam duas, três mil pessoas e não existia microfones. Ninguém ia lá para fazer barulho. Buscavam a Deus e Ele se manifestava no silêncio.

Mas a Igreja ao incorporar uma linguagem popular contribuiu, em alguns casos, para o aumento de fiéis?

Esse exagero no popular é perigoso. É como uma faca de dois gumes, ela também pode matar. Fica difícil distinguir o espaço sagrado e porque estamos ali. A postura dentro da igreja se tomou a mesma do mundo: as pessoas são grosseiras, gritam e falam demais. Não há mais a contemplação de Deus.

A Igreja não deve absorver o que o mundo oferece de bom?

O mundo é do mal, lugar de corrupção e quando eu entro em uma igreja, entro em um pedaço do céu. É a Jerusalém Celeste, segundo o livro do Apocalipse. Ter uma harmonia vital é ocupar o espaço sagrado com elementos da natureza que são abençoados por Deus. Tudo deve estar a serviço d’Ele. Esta harmonia não tem nada a ver com luxo e conforto, com poltronas de cinema, telões etc. Quem quer descansar, relaxar, que fique no sofá de casa. Perante Deus devemos ficar duros, atentos.

Será que essa mudança é possível de ser alcançada? O clero tem esse entendimento?

A Igreja sempre fazia isso na época em que o Cristo era o referencial. Hoje, a referência é o mundo e, em alguns casos, o espaço sagrado é inspirado em um shopping. O sagrado, Deus, a beleza, passa tão somente pelos nossos sentidos humanos e alguns têm a mania de achar que beleza é fantasia, é luxo. O clero precisa aprender a ser mais humano. Deus passa por nossa humanidade e pessoas mais simples podem sentir essa beleza de forma muito mais presente do que o nosso clero. A beleza nasce nos joelhos, na postura, não em organizações, cúrias e escritórios.

Então os mosteiros estão mais próximos da beleza e da arte?

Sem dúvida. Os mosteiros são bem mais centrados e espero que não se corrompam e continuem como celeiros de gratuidade. Os monges e monjas rezam todos os dias, sempre para louvar a Deus. Isso é vida!

Quanto à arte sacra, como você avalia a preservação feita pela Igreja e comunidade?

Arte sacra não é coisa do passado, claro que, em dois mil anos de Igreja, há muita arte que foi produzida, mas ela é uma coisa viva hoje. Eu acredito que nós não estamos preparados nem para preservar o passado, quanto mais viver o presente. Um espaço de beleza e de arte é como um mapa de leitura da nossa fé e as nossas igrejas não têm unidade; não de uniformidade, mas, unidade em referência a Deus que é uno. Os espaços que temos hoje não transparecem a harmonia, o equilíbrio e não falam do único de quem eles têm que falar: Deus. Estamos em um momento de crise profunda na Igreja e só vamos superar isso como exercício da ascese (prática da renúncia) e do jejum para recuperar nossa identidade, porque quanto mais perto do nada, mais perto de Deus estaremos.

Então, que caminho a Igreja deveria percorrer?

A liturgia de Paulo VI, utilizada hoje, é magnífica. Mas, nós precisamos de mais humanismo dentro da Igreja, de saber se apaixonar, se maravilhar com a vida e não ficar só tecnicamente a ajudar os pobres, as associações e os hospitais. Essa perda de humanidade é a perda do sagrado e, consequentemente, da beleza.

Que caminho deve ser percorrido pelo verdadeiro cristão?

O ser para ser é preciso resplandecer. Não basta dizer que está fazendo, se a beleza não aflora e ela não existe sem a verdade e a justiça. As três coisas têm que estar juntas. Os cristãos devem ser eternas crianças e sempre permanecer no aprendizado de que é a partir da Eucaristia e da nossa postura diante do espaço sagrado que Deus se manifesta. Esta postura não pode ser copiada do mundo, tem que ser baseada na Palavra, por isso é preciso sempre se questionar e saber para onde se caminha, senão, você acaba indo com a massa e ela não sabe para onde vai.

A arquidiocese de Belo Horizonte inaugurou em abril o seu Memorial, com o intuito de preservar, entre outros objetos e documentos, obras de arte sacra. Você apóia iniciativas corno esta?

Preservar a memória fazendo uma releitura é sempre saudável. Se formos analisar atentamente, a própria celebração eucarística é um memorial, O que não podemos é ficar presos a isso, achando que apenas o passado é referência para o presente e o futuro. Para nós cristãos a vida acontece agora. É importante preservar as atitudes de grandes pessoas do passado, mas e nós, estamos fazendo o quê?

Pintura de Cláudio Pastro na Capela Santíssima Trindade - Itaici-Vila Kostka

Foto: Pe. Satílio Bolonhani, SJ

Fonte: Jornal de Opinião, n° 1091 - Ano 20 

Data

25 janeiro de 2016

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