São Paulo nos convida e estimula a ter as condições para compreender, com todos os santos de Deus, “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o conhecimento, para que sejais plenificados com toda a plenitude de Deus” (Ef 5,19). Santo Inácio nos propõe, para alcançarmos a graça desta compreensão, digna de filhos e filhas de Deus, o exercício da oração de repetição. Assim, leva a pessoa que se exercita a se colocar diante do Pai para sentir a malícia do pecado. Esta venenosa malícia derrubou anjos, infectou nossa humanidade e é mortífera (1º exercício). Depois, Inácio quer que recordemos o processo mesmo dos próprios pecados diante dos olhos bons do Criador (2º exercício), para que possamos sentir como o Amor Crucificado é salvador. Então, Inácio diz: “O 3º exercício é a repetição do 1º e do 2º. Assim, depois da oração preparatória e dos dois preâmbulos (composição de lugar e pedido de graça), repetir o 1º e o 2º exercícios” (EE 62).
Como? Fazer outra vez os mesmos exercícios? Talvez até seja conveniente em certos casos, mas aqui a proposta é repetir de modo novo e criativo: “Prestar atenção e demorar-me mais nos pontos em que senti maior consolação, desolação ou sentimento espiritual”. Voltar aos pontos em que o Espírito me iluminou, inspirou a agir, consolou. Quem se exercita deve mesmo deter-se, sem pressa de ir adiante, a fim de que a semente acolhida com amor reverente possa germinar mais seguramente. Nos pontos escuros, ou onde se sentiu vazio, frio, indiferente, é preciso tomar o conselho do próprio Mestre: “Contou-lhes, ainda, uma parábola para mostrar a necessidade de orar sempre, sem jamais esmorecer” (ler Lc 18,1-8). A viúva pobre e desvalida do relato de Jesus conseguiu, com a força da sua paciência, obter justiça de um homem mau e corrupto. Quanto mais uma oração insistente tocará as entranhas de misericórdia do Pai e o Coração do Filho?
O novo neste exercício inaciano de repetição se mostra com evidência nos “três colóquios, que devem ser feitos da seguinte maneira [EE 62]: primeiro, a Nossa Senhora, para que me alcance graça de seu Filho e Senhor para três coisas: 1º Que eu sinta conhecimento interno de meus pecados, detestando-os; 2º Que eu sinta a desordem de minhas operações, para que, detestando-a, me corrija e ponha-me em ordem; 3º Pedir conhecimento do mundo, para que, detestando-o, afaste de mim suas vaidades e futilidades. O 2º e o 3º colóquios são com o Filho e com o Pai em torno dos mesmos três pontos”.
Pedir, até com teimosia, para alcançar, no Espírito, uma autêntica revelação da profunda malícia do pecado, do meu pecado também, para que eu sinta a profundidade do mal de onde me tira o Redentor e, assim, compreenda as dimensões infinitas do seu carinho e do seu cuidado por mim, pecador(a).
Uma observação: “Reconhecer a desordem e detestá-la supõe, para o exercitante latino-americano, consciência de sua situação pessoal em relação ao sistema injusto e opressor que vigora na América Latina, causa de tantos sofrimentos e mortes. Levando em conta que este é o continente com o maior número de batizados, é escandaloso o divórcio entre a fé e a promoção da justiça”.
Quem sabe seja tempo de pedir ao Redentor de todo o ser humano que revele a cada coração e a cada mente a altura da sua inconsciência, a amplidão do seu egoísmo, a profundeza da sua ignorância e da sua omissão, que permitem uma realidade de tanta divisão e absurda exploração, causadora de violência, exclusão, marginalização… É hora de suplicar com insistente esperança para chegar a um conhecimento interno que mude, converta e leve a perguntar, com vontade de saber: “Senhor, que queres que eu faça?”.
|| E X E R C Í C I O ||
|| E X E R C Í C I O ||
Digo que, se não se levantar para dar os pães ao amigo por ser amigo, vai levantar-se ao menos pela insistência. (Lucas 11,8)
Preparar-me, fazendo algum breve exercício de pacificação e considerando diante de quem estou me apresentando, com respeito e amor. Irei fazer, então, a oração preparatória com carinho. Vou empenhar-me em recuperar o que aproveitei nos exercícios anteriores. Para ajudar, lembro, brevemente, alguns pontos:
O pecado dos anjos: extremo orgulho, autossuficiência, rebeldia contra Deus, recusa da soberania absoluta do Criador. O mau uso da liberdade de seres lúcidos (Lúcifer) é extremo e definitivo. Um só pecado mereceu-lhes a condenação. Deus permanece aberto a eles. Falam com o Pai (Jó 1,6) e com Jesus (por exemplo, Mt 1,3) quando querem. Só não querem é abrir-se ao amor e ao serviço de amor.
O pecado de Adão e Eva: no alvorecer da humanidade, nossos primeiros pais não confiam na bondade do Pai Criador e se deixam levar pelo “pai da mentira” (Jo 8,44). Renegam a sua dependência do Deus da Vida. Assim, nos primeiros pais o ser humano se destina à morte, ao pó, à perda da sua identidade filial.
A pessoa que peca concretiza na própria vida o orgulho dos anjos decaídos e a fraqueza dos primeiros pais. O pecado mata. Um só pecado mortal merece o inferno, que vai sendo gerado pelo rompimento da criatura com o Criador, de quem precisa de vida com Deus, a Fonte mesma da Vida.
Lembrar a sequência dos próprios pecados. Vê-los não como transgressões de leis, mas como ingratidão e má vontade: “Quem sou eu?, Quem é meu Deus, contra quem pequei?”.
Como rezei esta revelação da malícia e do poder envenenador do pecado? O que senti e percebi? O que foi iluminação, consolação, bom propósito? O que foi desânimo, frieza, resistência?
Agradeço e saboreio o positivo, o que consola e aproxima de Deus e confirma no bem. Insisto com pedidos e súplicas onde a porta parecia fechada.
Considero que o conhecimento do pecado e da sua malícia, o reconhecimento das desordens interiores, dos desvios e preconceitos, das faltas leves ou graves é pura graça. Pedirei a graça de reavivar em mim o aborrecimento de tudo o que na vida é pecado ou leva ao pecado.
Farei três colóquios: primeiro invocando a intercessão de Maria, nossa boa Mãe; depois, buscando o socorro do Filho, o Mediador Único de todo bem, e, finalmente, indo ao Pai. Cada vez vou empenhar-me em alcançar três graças: 1ª Sentir conhecimento interno dos meus pecados e detestá-los; 2ª Sentir a desordem das minhas ações para ordenar o meu querer, o meu sentir, o meu pensar, o meu agir; 3ª Ter conhecimento deste mundo, para que não me engane com ele, mas afaste de mim a sua vaidade, a sua maldade e as suas seduções.
Com fidelidade vou recolher o que tiver sido mais importante, examinando minha oração (exercício de revisão ou exame da oração). Agradeço. Peço. E não vou deixar de anotar alguma coisa para ir me recordando dos dons de Deus na oração de cada dia.
Texto retirado do livro Cristo "Mais conhecer, para mais amar e servir!" - Edições Loyola - 2010
Autores: Maria Fátima Maldaner, SND / Pe. R. Paiva, SJ