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Cartas de itaici


A Suspeita (EE51)

A pessoa que deixa entrar o orgulho no coração, ou o tem lá, no escuro, enrodilhado como cobra venenosa, sente-se como centro do mundo. Tudo mede em relação a si: só o que lhe diz respeito importa. Passa devagarzinho, sem perceber, a observar os outros e a desconfiar de tudo, inteiramente ciosa dos seus direitos, interesses e desejos, preocupada com tudo que possa favorecê-los ou prejudicá-los.

O pecado tem sempre esta marca de orgulho: suspeita, desconfiança! Quando peco, peco porque, no fundo, julgo que “quem gosta de mim sou eu”. Logo, “sou eu que sei onde me dói o calo e o que é melhor para mim”. Por isso, se, do meu ponto de vista, isto ou aquilo será o mais conveniente para mim, farei tudo o que estiver ao meu alcance para servir ao meu próprio querer, ao meu próprio interesse.

Quando peco, copio Eva e Adão: desconfio que meu ponto de vista seja melhor para mim do que a vontade de Deus, que me é conhecida. Percebo que meu pensamento é mau, mas como ele contraria o meu interesse, a minha conveniência, a minha necessidade ou o meu prazer, racionalizo que “no meu caso posso praticar este mal”.

Assim, o orgulho do Anjo caído, a antiga Serpente, o chamado Diabo ou Satanás, Sedutor de toda a terra habitada (Ap 12,9), insinua no coração humano a suspeita venenosa de que seria melhor que Deus não tivesse proibido isto ou aquilo. Ou a desconfiança de que, se Ele estivesse no meu lugar, deixaria que eu tivesse liberdade de agir como acho melhor para os meus interesses e gostos. Porque, “com certeza, se Ele me proíbe comer do fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal, é porque isto seria muito bom para mim e ruim para ele!”.

O orgulho, pai da desconfiança e da suspeita, cava um abismo entre o pecador e Deus. O pecador já não consegue vê-lo com olhos de filho e amigo. Esconde-se dele, nem que seja atrás de uma moita, com uma tanga muito mal costurada “de folhas de figueiras” (ver Gn 3,1-13) — boa imagem das nossas racionalizações e autojustificações: “A mulher que tu me deste me fez desobedecer…”. “Minha sogra…”, “Eu estava precisando…”, “Ah! Mas eu só queria…”, “A vida que tenho…”.

O impressionante é que, embora o pecador fuja e se esconda de Deus, perdendo o paraíso da sua amizade, Deus é sempre benévolo: não só nos procura “na brisa amiga”, sopro gentil, mas, penalizado, “costura-nos agasalhos” para os maus tempos que virão como dura consequência do engano e da ilusão do pecado (ver Gn 3,14-21).

Pela graça do Filho Eterno do Pai Eterno, o doce Espírito divino faz ver ao pecador a Misericórdia ali, bem pertinho, braços abertos na Cruz, Coração escancarado para cada um de nós. Por isso, Inácio, nos Exercícios, coloca cada exercitante diante do Crucificado: “Imaginando Cristo nosso Senhor diante de mim na Cruz, fazer um colóquio: como de Criador se fez homem e como da vida eterna chegou à morte temporal e assim morreu pelos meus pecados. Igualmente, olhando para mim mesmo, perguntar o que tenho feito por Cristo, o que faço por Cristo, o que devo fazer por Cristo” (EE 53). Estas são as perguntas decisivas que preciso ter pressa de fazer ao meu tão bom Jesus. A inspiradora resposta do Espírito não faltará e virá na consolação que liberta, cura, reconcilia: “Voltei, meu Pai, voltei para o meu lugar!”.


E  X  E  R  C  Í  C  I  O  :
O pecado dos primeiros pais, pecado da humanidade (Gn 3,1-17; Lc 18,9-14; EE 51)

Ajuda muito prever tempo, lugar, assunto e modo de orar. Aqui Inácio recomenda a meditação.

Pacifico-me, respirando algumas vezes, profunda e calmamente. Se convier, retomo alguns dos exercícios anteriores. Peço que o Espírito me leve a estar inteiramente voltado(a) para Ele e sua ação nestes momentos. Rezo pedindo “a graça de que as minhas intenções, ações e operações sejam puramente ordenadas a serviço e louvor de sua divina Majestade” (EE 46). Recordo o assunto, relendo Gênesis 3,1-17 e Lucas 18,9-14. Com os olhos da imaginação verei Adão e Eva escondendo-se de Deus, e eu também, com eles. Assim, vou compor o lugar afetivo da minha oração. Pedirei aqui ao Pai a graça de uma vergonha verdadeira: vergonha de pecar e sentimento de confusão porque tenho sido participante do pecado da humanidade e cúmplice das suas consequências no mundo.

Começarei, então, a meditar, recordando as palavras dos textos bíblicos e refletindo sobre mim mesmo(a), sem esquecer de pedir a graça de dar-me conta da minha malícia e detestá-la:

· “Sereis como deuses” (Gn 3,5): uma sedução, que induz ao desejo de apropriar-me de um fruto que não é meu, leva-me a agir às escondidas; a decidir-me a desobedecer, desconfiando dos motivos do Criador, quando avisou que aquele fruto trazia a morte (Gn 3,2b). A maior ousadia da criatura: fazer de si mesma a autora da lei! Agir levando em conta apenas os seus desejos e interesses, ignorando até Deus!

· É o orgulho do fariseu (Lc 18,9-14), que se coloca acima de tudo e de todos. Jesus desaprova totalmente esta atitude. É malícia que entrou na humanidade e causa uma chaga na sua face (criada, no entanto, “à imagem e semelhança de Deus”). Assim nos afastamos da fonte de vida, nosso Criador!

· Olhando ao meu redor, para a minha região, o meu país, o mundo, procuro avaliar as consequências do pecado do orgulho lá nas origens: egoísmo, ambição, inveja, que geram injustiça, dominação, violência, rivalidade, luta, corrupção e busca do prazer… Enfim, tudo o que escraviza, rebaixa e fere a dignidade humana!

· É a história do “Não!”. Iniciada pelos primeiros pais, ela continua até mim! Estamos todos incluídos nesta sucessão! Peço para compreender e detestar “a raiz” do mal: na minha gente e em mim. Esta raiz é o orgulho, a desconfiança.

Pedindo graça, procuro que a minha reflexão se torne oração. Deixo que me toque e afete o coração. Paro onde o Espírito me iluminar e me consolar. Saboreio. Escuto: “É pela graça que sereis salvos” (Ef 2,8). Em Jesus esta história do “Não” e do “Mal” encontra o seu fim!

Na sombra da cruz, encontro a salvação que Ele me dá, e me exprimo num colóquio final: “Que fiz, que faço, que farei por Ti, Jesus?”. Termino rezando Alma de Cristo.

Revejo. Anoto algo de importante!

Texto retirado do livro Cristo "Mais conhecer, para mais amar e servir!" - Edições Loyola - 2010
Autores: Maria Fátima Maldaner, SND / Pe. R. Paiva, SJ