“Creio da
ressurreição da comunidade”
Na vigília Pascal, o “fogo novo” do Círio vai acendendo paulatinamente os pequenos círios e velas dos fiéis participantes, enquanto percorrem o caminho que os conduz ao lugar da celebração, no interior da igreja. O gesto de compartilhar o fogo pascal, uns com os outros, vai constituindo uma comunidade de fraternidade e amizade (“Fratelli Tutti”), de interdependência, de cuidado mútuo, de serviço, de solidariedade, de inclusão. É um “fogo que acende outros fogos”.
Que podemos fazer para que a
comunidade de nossas celebrações litúrgicas se transforme numa verdadeira
comunidade, sustentável e duradoura? Que gestos iluminantes podemos ter para
derrubar os muros sociais, econômicos, políticos e religiosos que nos separam,
alimentando ódio, intolerância, preconceito e inimi-zades...? Quanta
incoerência na vida de muitos cristãos que creem na Ressurreição de Jesus e são
“presenças de morte”, são “sepulturas bloqueadas”, onde impera a podridão das
mentiras, dos julgamentos, do racismo, das diferentes violências...! Na vigília
pascal, a marcha dos fiéis com suas velas acesas é uma homenagem a Cristo
Ressuscitado, é uma manifestação de alegria e esperança centradas n’Ele; mas, é
também uma expressão de protesto por esta “cultura de morte” que estamos
vivendo.
De fato, nas suas Aparições, o Cristo Ressuscitado reconstrói vidas
quebradas, restaura relacionamentos rompidos, recria sua comunidade de
amigos e amigas com um estilo de vida diferente e os envia em missão. Ele é
o gerador e centro da nova comunidade de irmãos e irmãs. As aparições vão do individual
ao comunitário, e do comunitário à missão.
O(a) seguidor(a) de Jesus,
durante o percurso pascal, vai se revestindo de uma atitude profundamente eclesial, de maneira que o seu sentir,
pensar, falar e agir refletem o sentir, pensar, falar e agir da grande
comunidade cristã. Por isso, os encontros com o Ressuscitado
desembocam na comunidade.
Nesse
sentido, os evangelhos dão especial destaque à presença e ação do Ressuscitado
na reconstrução e formação de sua comunidade; as aparições públicas têm como pano de fundo um sentido eclesial. Remetem à comunidade como lugar de encontro com o Senhor Ressuscitado que manifesta o “ofício de consolar” (S. Inácio - EE 224).
Consolar é o que
define a ação do Ressuscitado, transformando a situação dos seus discípulos e
discípulas: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia
e audácia, a negação de Jesus em profissão de fé e martírio... Não se trata de
um ato pontual senão de um “ofício”, que definirá para sempre a
atividade de seu Espírito no mundo.
Nas cenas
evangélicas das aparições, o efeito
da presença do Ressuscitado sobre os discípulos e discípulas termina sempre em
reconhecimento, em chamado e envio, em restauração de uma vocação e missão.
Jesus
ressuscitado exerce sobre eles(elas) um original “ofício de consolar”,
cujo efeito é iluminar o caminho
pelo qual, em seu nome e com Ele, eles e elas hão de percorrer. O “ofício de
consolar” é a marca do Ressuscitado, é força recriadora e reconstrutora de
vidas despedaçadas; Ele vai reconstruindo as pessoas quebrados(as) pelo
fracasso, pela tristeza, pela decepção... Jesus “ressuscita” por dentro cada um
dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, refazendo os
laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava
sem chão, sem direção...
A Campanha da Fraternidade
deste ano nos recorda que a comunidade
cristã é uma comunidade de amigos(as) que se deixa conduzir pelo mesmo
Espírito do Ressuscitado, soprado sobre cada um deles(elas). O Espírito continuará atuando
no(a) seguidor(a) através da
comunidade cristã. Escutar o Espírito
no interior de si próprio e no exterior visível da comunidade
significa estar convencido de que é o mesmo Espírito que atua na própria
interioridade e na comunidade dos seguidores de Jesus.
Sentir-se comunidade de irmãos(ãs) exige um contínuo discernimento para perceber o modo como Jesus Ressuscitado age na
sua comunidade através do seu Espírito, que suscita diferentes carismas para o
serviço.
Os laços fraternos vividos no interior da comunidade cristã se
visibilizam na amizade com todos; podemos dizer que a comunidade cristã é “comunidade
de amigos no Senhor”: amizade que vai se expandindo e se revelando como atitude aberta e acolhedora de todos; amizade que se
manifesta como prolongamento do “ofício do consolar”, exercido pelo
Ressuscitado.
O caráter apostólico, o senso
de universalidade e o enfoque fraterno, tão característicos do Tempo
Pascal, pedem uma expressão comunitária
que, respeitando o princípio da encarnação em realidades concretas e diversas,
abre a pessoa para a complexidade dos problemas do mundo e da Igreja,
impulsionando-a a ultrapassar os limites geográficos, afetivos, sociais,
religiosos...
Todos somos chamados a ser presença
consoladora; a experiência da Ressurreição nos move a “descer” junto à
realidade do outro (seus dramas, fracassos, perda de sentido da vida...) e
exercer este ministério humanizador, ou seja, “vida que desperta outras vidas”.
É vida plenificada, iluminada, integrada...
pela experiência de encontro com o Ressuscitado e que flui em direção à vida
bloqueada, necrosada... ativando-a, despertando-a... É movimento expansivo da
vida.
Como homem e como mulher, trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós mesmos” e criar laços, fortalecer a comunhão... Este
movimento é fortalecido pela experiência da Ressurreição.
O ser humano não é feito para viver só; ele necessita conviver, viver-com-os-outros.
A fraternidade, a vida em
comum se mede pelo amor, por atos e gestos de doação, por vivências de
comunhão, por experiências reais de partilha...
O ser humano é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência a outras pessoas: estabelece
com os outros uma interação, entrelaça-se com eles, e forma um nós: a comunidade.
As duas realidades – pessoa e comunidade – não se opõem, mas se condicionam e se complementam.
“A pessoa faz a comunidade
e a comunidade faz a pessoa”
O sentido da vida em comum é um dom de Deus, que nos
foi dado a todos.
Uma comunidade de ressuscitados não é um fim em si
mesma. Ela deve ser comunidade aberta à comunhão e partilha, apostólica, reunir
para o serviço todos os que, nas pegadas do Mestre, querem se unir para trabalhar com Ele, seguindo-o de
perto, na vocação específica de cada um.
Uma comunidade
cristã é uma comunidade “conspiratória”.
Conspiração, palavra
bonita de origens esquecidas.
Conspirar,
com-inspirar, respirar
com alguém, juntos.
Conspiradores: respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma
utopia do Reino.
• Leia o evangelho de Jo 20,1-9; com a imaginação acompanhe Maria Madalena,
Pedro e João até o sepulcro de Jesus; com eles, reviva a experiência de
encontro com o Ressuscitado.
• faça “memória” das experiências de consolação, suscitadas pela Graça de
Deus ao longo desta Quaresma.
• Recorde pessoas que foram “presenças consoladoras” em sua vida.
• Traga à
memória situações em que você foi o(a) mediador(a) da consolação de
Deus.
• Rezar sua comunidade eclesial, sua
pertença e compromisso.
Iluminar
a madrugada e tecer liberdade, nutrir a vida de compaixão e amizade,
celebrá-la
e oferecê-la de verdade, orar... Esse é o movimento de
Ressurreição. É isto que
o evangelista João quer destacar quando escreve
que Madalena “saiu correndo”,
que Pedro e João “corriam juntos”.
Que
a Páscoa seja um tempo de movimento e cada um(a) descubra
o seu ritmo e o
horizonte de vida para onde se deslocar!
Um
Santo Tempo Pascal a todos e todas!