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Cartas de itaici


O temor filial do inferno (EE 65-71)

Jesus nos fala de uma possibilidade tremenda, pavorosa, pelo menos para quem tem a graça de amá-lo e prezar a sua palavra, a sua companhia: a possibilidade de cairmos no inferno. Assim, “o caminho largo leva à perdição” (Mt 7,13); o convidado à festa do casamento, que não está vestido com respeito, é “atirado às trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes” (Mt 8,12); e aos que foram impiedosos e cruéis na vida terrena o Justo Juiz expulsa da sua presença definitivamente (Mt 25,41; ver Mt 7,23). As expressões bíblicas são fortes, carregadas mesmo, assustadoras até! Inácio, com humildade, aceita a advertência, confiante n’Aquele que nos amou até o extremo (Jo 13,1) e deu-se por inteiro para nos salvar do abismo terrível (Lc 16,26).

A nossa leviandade em considerar o bem e o mal nas nossas vidas, a permissividade e a tolerância com o mal no mundo são denunciadas pelo tom profético de Cristo Jesus. Seria pena não o levarmos a sério. Ficaríamos privados de nos dar conta de que é Ele, com os braços abertos na sua Cruz, que está nos impedindo de cavarmos nossa própria miséria final. Só a sua graça — mesmo para os que não sabem disto (como nada sabiam da origem de vinho os noivos de Caná) — é que permite a salvação, a vida, a festa.

Sem perceber a fundura onde nos jogam crimes, delitos, indiferentismo, nós nos privamos de perceber a altura da sua misericórdia, do seu carinho e da sua generosidade. Muitos dos que Ele santificou foram agraciados com a visão imaginativa do inferno. O resultado não foi medo de Deus e desprezo dos que se lançam na perdição, mas um amor mais intenso e um cuidado maior com a vida das pessoas pela oração, exemplo de vida e palavra inspirada.

Diz o padre Cusson, SJ: “Nosso passado, numa certa medida, testemunha a leviandade com a qual podemos dispor de nossa liberdade. Neste caso, sejamos sinceros conosco mesmos. Tenhamos coragem de olhar, olhar até o fim, aonde leva essa história do mal, se viermos faltar contra a fidelidade, o amor, a vida… É a meditação sobre o inferno, hipótese necessária, enquanto ligada à minha liberdade e ao respeito que Deus tem por ela: ninguém entra à força no Reino de Deus”.

O padre Cusson cita o padre Ledrus : “O sentimento da condenação e da perdição eternas que ameaça os pecadores, meus irmãos (Lc 16,27-31), deveria — como ao Apóstolo — não me deixar repousar (ver 1Cor 3,15; 9,22; 2Cor 7,5; 11,29). Deveria bastar para me lançar ao encontro dos sofrimentos para lhes levar socorro… Meditar sobre o inferno é obra de amor, superior às palavras de amor” (cf. EE 230).

Por isso mesmo, o quinto exercício básico da Primeira Semana, a Meditação do Inferno (EE 65-71), benfeito, prepara o coração de quem ora para abrir-se mais profundamente ao apelo do Rei Eterno (EE 91-100).

Já seria um bom exercício uma leitura respeitosa dos textos aqui citados, com coração simples e humilde, aberto ao ensino das Escrituras. Na proposta de Inácio, contudo, ele se inspira na linguagem bíblica, que é ligada à nossa realidade dos sentidos… Segue o esquema de rezar as penas de cada um deles, para que possamos intuir a destruidora degradação do mal perseguido com tenacidade de quem prefere a si mesmo ao chamado do amor.

Estas imagens, contudo, nada forçam. São muito realistas. Podem ser constatadas no resultado até cotidiano do mal no mundo. Na alucinada calamidade das guerras, na miséria gerada pelo empobrecimento, no resultado de tanto egoísmo, roubo, homicídio, genocídio… Contra tudo isto está o Senhor. Nos braços abertos da sua Cruz Ele quer nos impedir de chegar até o fundo da nossa perversidade.

|| E  X  E  R  C  Í  C  I  O  ||

Ninguém é filho forçado (EE 65-71)

Por isso, quem pensa que está de pé,
cuide para não cair.
1 Coríntios 10,12

Vou me dispor com respeito e cuidado. Farei, então, a oração preparatória. Aqui poderia ser: “Mestre da Vida, que eu me abra à tua palavra! Que aceite o Evangelho como Francisco de Assis, Inácio, os Pastorinhos de Fátima: sem torcê-lo ao meu gosto, mas aproveitando o que me dás nele!”.

Composição de lugar: com o olhar da imaginação, sondar o abismo monstruoso, de onde estão ausentes a Luz, o Amor, a Ternura, a Bondade, a Comunhão: Deus! Intuir as imensas trevas do egoísmo que só adora e serve a si mesmo.

Pedirei a graça imensa de “sentimento interno da pena que padecem os condenados, a fim de que se por minhas faltas eu me tornar indiferente ao amor de Deus eu, pelo menos pelo temor das penas, seja ajudado a não cair no pecado” (EE 65).

Vou me empenhar para imaginar as chamas devoradoras. Ao contrário das chamas do espinheiro de Moisés, manifestação do zelo de Deus, que não destruíam o arbusto (Ex 3,2), as chamas do amor a si mesmo até o desprezo de Deus e dos outros devoram e incendeiam sem cessar os condenados. Quero escutar o Bom Mestre: “É melhor entrar na vida com apenas uma mão, um pé, um olho, do que ir para o fogo que não se apaga” (Mc 9,43-48). Responderei o que o meu coração pedir.

Vou também procurar ouvir “o choro” (Lc 13,18), “o ranger dos dentes” (mais de doze vezes nos Evangelhos!). O amor desenfreado a si mesmo, “o caminho largo” de satisfazer-se continuamente, sem doação, desapego, entrega confiante, leva à frustração, ao ódio, ao prazer diabólico de ser mau.

Não hesitarei em sentir o cheiro horrível deste ambiente de podridão, causado pela indiferença ao próximo, pelos jogos de guerra, pela busca de defender a todo custo posição, saúde e conforto sem consideração com os excluídos (1Pd 1,23; Gl 6,7).

Tentarei sentir o amargor do banquete do egoísta, da solidão procurada porque os outros são “rivais”, ameaçando sua sede de prazeres. Os outros, para o adorador de si mesmo, ou são cúmplices, ou são apenas “coisas” a ser usadas e descartadas. O banquete do egoísta tem o gosto do pão que o diabo amassou! A sede do rico indiferente é sede que não se extingue com seus vinhos escolhidos (Lc 16,24). Há nele uma incapacidade entranhada de se saciar com o Pão Vivo, de matar a sede com a Água Viva, de experimentar o amor doação, amor crucificado.

Vou colocar-me diante do Amor Crucificado. Reconhecerei que ele não me deixou cair no inferno. Agradecerei porque o Bom-Pastor deu a sua vida para salvar cada ovelha perdida. Rezo Alma de Cristo.

Examinando-me, depois, verei se, de algum modo, alcancei a graça pedida. Tomarei alguma nota breve sobre o que senti como luz e inspiração.

Texto retirado do livro Cristo "Mais conhecer, para mais amar e servir!" - Edições Loyola - 2010
Autores: Maria Fátima Maldaner, SND / Pe. R. Paiva, SJ